Avenida Brasil
Nomes do samba que fizeram história são homenageados pelas escolas em vários carnavais
A segunda noite de desfile das escolas de samba do Rio foi marcada por críticas contra a corrupção e a violência. Cenas comuns na cidade, como assaltos e crianças vendendo balas nas ruas, foram retratadas pela Beija-Flor (foto). Apresentação da agremiação de Nilópolis encantou o público no Sambódromo. Outros destaques foram o colorido da Portela e a homenagem do Salgueiro à mulher negra.
Se sambas-enredo de Martinho da Vila, Arlindo Cruz e Paulinho da Viola já brilharam espontaneamente na Sapucaí durante o carnaval em anos anteriores, especulações apontam que, hoje, um sambista ou compositor tenha que investir até R$ 100 mil em uma disputa de samba. A logística que envolve essa verdadeira epopeia é muito mais complexa do que se imagina, pois, até chegar a ser a trilha do desfile, o samba-enredo percorre um caminho árduo. Antes de ser a composição que vai dar vida ao tema, esta passa por uma competição dentro das agremiações, onde ocorrem as eliminatórias. Compositores, intérpretes e músicos se desdobram para estar em várias agremiações por final de semana e defender suas obras. Eparaconquistar o voto dos diretores das escolas vale tudo: realizam mega shows nas quadras envolvendo uma verdadeira estrutura, intérpretes consagrados, torcedores, camisetas e até carros alegóricos.
Realidade muito diferente de décadas atrás, quando as composições eram escolhidas nas comunidades e pelas comunidades. Assim como aconteceu nos idos de 1957, quando “Carlos Gomes” era homenageado e enredo da escola Aprendizes da Boca do Mato. Martinho, que ainda não era “da Vila” (nome da escola de samba que o abraçaria, Unidos de Vila Isabel), leu uma reportagem sobre a homenagem, decidiu escrever um samba e mostrou aos amigos. Ficou surpreso quando viu seu samba ser cantado e mostrado à comunidade. Não deu outra, os outros compositores antigos da escola retiraram suas obras e a composição foi eleita como samba-enredo daquele ano. Este e outros 23 sambas-enredo – feitos para a Boca do Mato e a Vila Isabel - foram reunidos no CD intitulado “Enredo” (Biscoito Fino), lançado em 2014, incluindo o campeão de 2013 “A Vila Canta o Brasil Celeiro do Mundo Água No Feijão Que Chegou Mais Um”.
“Carlos Gomes” era só o início da carreira do jovem Martinho, que nem havia chegado aos 30 anos e também não imaginava que faria “escola” nas escolas de samba. Tanto é que, por dois anos, em 1967 e 1968, com “Quatro séculos de modas e costumes” e “Yayá do cais dourado”, Martinho da Vila colocou o samba-enredo para funcionar como se fosse um partido alto. Isso mudou a história do desfile das escolas, tornando o samba mais acelerado. Várias escolas seguiram sua mudança, nos anos seguintes, deixando a composição menos “arrastada”. A importância da vida e obra Martinho da Vila para o samba foi homenageada no desfile deste ano da escola Unidos do Peruche, no Sambódromo, em São Paulo, celebrando os 80 anos de Martinho da Vila, completados nesta segunda-feira (12).
PAULINHO DA VIOLA
Nascido no bairro de Botafogo (RJ), o cantor e compositor Paulo César Batista de Faria, o Paulinho da Viola, é outro destaque na história do samba. No início de carreira, foi parceiro de nomes ilustres do samba carioca, como Cartola, Elton Medeiros e Candeia. E, além do samba, tem uma trajetória em composições de choro, gênero no qual começou, e, também, na MPB. No auge de seus 75 anos, é um dos medalhões da Portela. Ao ingressar na escola, em 1964, emplacou sucesso atrás de sucesso. “Recado” abriu as portas - sob os olhares de Monarco, Candeia, Casquinha, Ventura. Em 1965, desfilou pela escola e, em 1966, apresentou na quadra, para o carnaval, o samba “Memórias de Um Sargento de Milícias”. A música foi escolhida para ser o samba-enredo da escola que foi campeã do carnaval daquele ano. O samba de Paulinho recebeu nota máxima dos jurados.
Mas foi a composição da melodia de “Sei lá, Mangueira”, em 1969, que emplacou a entrada definitiva de Paulinho da Viola na história da Portela. A letra está ligada a uma canção em homenagem a rival da agremiação, a Mangueira, tema que gerou várias histórias especulativas. Apesar de não terem sido enredo, Paulinho da Viola é autor de sucessos respeitados como “Coração leviano” e “Foi um rio que passou em minha vida”, considerada um hino de exaltação à escola. A composição foi, inclusive, inspiração para o enredo que deu o título à Portela, no ano passado, após 33 anos em jejum no carnaval carioca. Com 22 títulos, a Portela é, agora, a escola que mais vezes foi campeã.
ARLINDO CRUZ
Em 2018, a Império Serrano retornou ao Grupo Especial do carnaval carioca após sete anos longe da elite. A escola de Madureira e de Oswaldo Cruz abriu o carnaval do Rio neste domingo (11) e mesmo com enredo que homenageia a China, a escola lembrou Arlindo Cruz, sambista de 59 anos que se recupera de um grave AVC hemorrágico que sofreu há 10 meses e tem história ligada à escola. Frequentador das rodas de Cacique de Ramos, ainda jovem, foi lá que Arlindo aprendeu junto de nomes como Jorge Aragão, Beth Carvalho, Ubirany e Almir Guineto e onde teve várias canções gravadas por intérpretes como “Grande Erro” (Beth Carvalho), “Novo Amor” (Alcione). Foi nas rodas, também, onde começaram as parcerias com Zeca Pagodinho e Sombrinha.
Já conhecido e integrante do grupo Fundo de Quintal (no qual entrou para substituir Jorge Aragão), na década de 90, Arlindo passou a concorrer nas eliminatórias de sambaenredo de sua escola de samba do coração: o Império Serrano. A primeira vitória foi em 1996, no enredo “E verás que um filho teu não foge à luta”. Arlindo emplacou o hino imperiano também no ano seguinte. O compositor venceu na Serrinha em 1999, 2001 e concorreu em 2008 pela primeira vez em outra escola. Venceu, ainda, na Grande Rio no enredo “Do Verde de Coarí Vem Meu Gás, Sapucaí!”. Desde que começou a disputar nas eliminatórias, Arlindo Cruz já ganhou oito vezes, incluindo em Vila Isabel e de ter encomendado, duas vezes na Leão de Nova Iguaçu. Hoje, já são mais de 500 músicas de Arlindo gravadas por diversos artistas.
PRODUTOR DE SAMBA ENREDO
Aos 46 anos, Cláudio Russo é considerado um dos maiores compositores cariocas de samba-enredo da atualidade. Já teve mais de 30 sambas assinados desfilando em escolas do Grupo Especiais. Nas séries A e B, somente quatro foram encomendas das escolas. Neste carnaval, mais quatro escolas apresentaram sambas-enredo do compositor: no Grupo Especial, Paraíso do Tuiuti e Unidos de Padre Miguel, e Inocentes de Belford Roxo e Renascer de Jacarepaguá, na série A. Segundo ele, com um bom enredo nas mãos, um samba-enredo fica pronto em média entre 15 e 20 dias. Ele afirma não ganhar nada das escolas, só direitos autorais pelos sambas vencedores.