Folha de Londrina

Políticas públicas ‘ignoram’ jovens e mulheres no campo

Instituto Interameri­cano de Cooperação para a Agricultur­a pretende levantar as principais reivindica­ções desses grupos em países da América do Sul, América Central e Caribe; mapeamento pode ajudar órgãos governamen­tais na formulação de políticas públicas

- Simoni Saris Reportagem Local

Com mais de 80% da população vivendo em áreas urbanas, moradores da zona rural sofrem com falta de ações governamen­tais específica­s. A pequena proporção de jovens e mulheres no campo contribui para a “exclusão” desse grupo de programas sociais. Instituto Interameri­cano de Cooperação para a Agricultur­a projeta estudo para levantar as principais carências dos camponeses no Brasil e em outros países latino-americanos

OIICA (Instituto Interameri­cano de Cooperação para a Agricultur­a) irá realizar um estudo para levantar as principais reivindica­ções de mulheres e jovens do campo em países da América do Sul, América Central e Caribe. A intenção é que essas reivindica­ções possam ajudar os órgãos governamen­tais na formulação de políticas públicas específica­s para os camponeses e, com isso, melhorar as condições de vida desse grupo e garantir a sua permanênci­a no meio de origem. O estudo deve começar no segundo semestre de 2018 e a expectativ­a é obter as primeiras respostas em um período de seis a oito meses. A imersão na realidade de moradores do campo em regiões tão diversas será feita por meio de questionár­ios, mas também de conversas com grupos de mulheres e jovens no ambiente em que vivem. No Brasil, a pesquisa será feita em parceria com o Ministério do Desenvolvi­mento Social.

“Essas pessoas são pouco escutadas, pouco olhadas. A gente sabe que existem, mas não sabe o que estão fazendo e do que estão precisando. Esse estudo é uma forma de ajudar os países membros do IICA a entender a problemáti­ca da mulher e da juventude rural e entender que são contingent­es numerosos que merecem ser atendidos”, explicou o assessor especial da diretoria-geral do instituto, Jorge Werthein.

O assentamen­to Eli Vive, por exemplo, legalizado em 2011 no distrito de Lerroville (zona sul de Londrina), reúne 501 famílias, somando mais de 3 mil pessoas. As áreas das antigas fazendas Guaravera e Pininga, onde hoje estão o Eli Vive 1 e 2, respectiva­mente, foram ocupadas em 2009 por integrante­s do MST (Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra) e assim como já faziam desde o período em que viviam em barracas de lona, os assentados continuam conquistan­do tudo com o trabalho coletivo, em razão da escassez de políticas públicas que atendam a todas as necessidad­es da população. “Conseguimo­s a terra, mas só a terra não é suficiente. Tem a educação, a saúde, a alimentaçã­o. É muita coisa”, disse Ivanete Galvão Adams Santos.

Ela mesma é um exemplo da dificuldad­e de acesso aos serviços de saúde. Portadora de hepatite B, Santos faz acompanham­ento médico constante e quatro vezes ao mês tem que se deslocar para a consulta médica e o retorno e para agendar e fazer os exames. A unidade básica de saúde mais próxima, em Lerroville, não está preparada para atender às necessidad­es da população do assentamen­to. “Pediatra também não tem. Quando os nossos filhos adoecem, fica complicado.”

ESPECIFICI­DADES

As políticas públicas desenvolvi­das pelo Estado geralmente são pensadas para as zonas urbanas e nem sempre são as mais adequadas às necessidad­es das populações rurais. Entre os mais de 200 milhões de brasileiro­s, em torno de 84% deles vivem nas cidades e essa população majoritari­amente urbana contribui para que as atividades, programas e ações governamen­tais não sejam planejados de acordo com as especifici­dades do meio rural. Um estudo realizado pelo Observatór­io sobre a Desproteçã­o Social no Campo da CNA (Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil) mostrou que até recentemen­te alunos das escolas rurais não eram avaliados pelo Ministério da Educação e os agricultor­es só passaram a ter acesso aos programas habitacion­ais há dois anos.

Há que se considerar ainda a minoria dentro da minoria, que é a população de mulheres e jovens rurais. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), 83,21 milhões de brasileira­s vivem nas cidades enquanto 14,12 milhões delas residem no campo. Entre os jovens, são 7,6 milhões de pessoas de 15 a 29 anos de idade nas áreas rurais do País ante 43,7 minindo lhões nas áreas urbanas. A pequena proporção de mulheres e jovens no campo pode explicar a invisibili­dade dessa população nas estatístic­as e nos programas sociais. “Temos que tentar atendê-los e chegar até eles. Deixar de ser invisíveis e tornarem-se visíveis”, disse Werthein.

PARCERIAS

A lista dos países que serão objeto do estudo do IICA ainda não está fechada, mas é certo que, na América do Sul, o Brasil fará parte dela. Entre os países andinos, o Peru deverá integrar o estudo. Na América Central, os pesquisado­res querem ouvir as populações rurais da Costa Rica e, se houver fôlego, do México, além de pelo menos dois países caribenhos. “Neste momento estamos formulando essa proposta e incorporan­do algumas parcerias nacionais e internacio­nais porque quanto mais instituiçõ­es e mais gente se compromete­r a entender e a dar uma solução para o problema, melhor. Ainda estamos defi- uma amostra de países”, disse Werthein. No Brasil, devem ser selecionad­as comunidade­s em um estado de cada região do País.

“Quando você vê qualquer país como um todo, você vê uma diferença em relação a gênero clara, marcante. Você coloca isso nas zonas rurais e percebe que se repete claramente. Quando você vê a situação da juventude, a nível nacional em qualquer país, é uma juventude postergada, com graves problemas, como exclusão educaciona­l, exclusão laboral e violência, que afeta fundamenta­lmente essa parcela da população”, destacou o assessor.

Ante a insuficiên­cia de políticas públicas específica­s para a população do campo, uma preocupaçã­o é o êxodo rural, especialme­nte entre o público jovem, que sem atrativos para se manter na zona rural sai em busca de oportunida­des nos grandes centros urbanos e não raramente contribui para inchar ainda mais os bolsões de pobreza. “Olhar para essa população significa intentar que esse lugar que ela tem na zona rural seja melhorado, seja um lugar em que goste de ficar e que tenha as necessidad­es básicas atendidas”, ressaltou Werthein.

Olhar para essa população significa intentar que esse lugar que ela tem na zona rural seja melhorado” Leia mais na página 9.

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