Folha de Londrina

MEMÓRIA ALVICELEST­E -

- Vítor Ogawa Reportagem Local

Há 40 anos, o Londrina derrotou o Vasco em São Januário e garantiu vaga nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1977. Quarto lugar na competição é até hoje o maior feito da história do Tubarão. O meia Carlos Alberto Garcia marcou um dos gols da vitória por 2 a 0.

Odia 19 de fevereiro de 1978 foi a data em que o Londrina conquistou a vitória mais épica da sua história. O time havia caído em uma chave dificílima, com Santos, Flamengo, Corinthian­s, Caxias do Sul e Vasco da Gama, para disputar uma das vagas na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1977 (que terminou apenas no ano seguinte). O time já havia derrotado todas as outras equipes do grupo, mas ainda restava o desafio de encarar o Vasco para figurar entre os quatro melhores times do Brasil.

Um desafio colossal, já que o time cruzmaltin­o havia sido campeão carioca e possuía em seu elenco sete jogadores com nível de seleção brasileira: Roberto Dinamite, Marco Antônio, Wilsinho, Orlando Lelé, Dirceu, Abel e Mazarópi. Mas nem esse elenco tão estrelado foi capaz de segurar o Alvicelest­e. Aquela tarde ficou marcada como o dia em que um Tubarão atacou no Rio e engoliu um bacalhau. Até hoje, a partida detém o recorde de público em São Januário, com 40.209 pagantes, número que não será superado, já que a capacidade do estádio foi reduzida para 21.880 torcedores.

O ex-meia Carlos Alberto Garcia relembra aquele dia como se fosse hoje. “Foi um jogo memorável. Contra o Corinthian­s (1 a 0 em Londrina), a partida teve um significad­o particular para mim, já que queria mostrar algo, porque tinha saído de lá, mas não teve jogo tão emocionant­e como esse jogo contra o Vasco”, relata.

Garcia conta que o clima estava tão tenso naquele dia que surgiu um boato de que alguém havia colocado sonífero na comida do hotel. “Depois que surgiu essa conversa, ela se espalhou como faísca. Não sei nem se o hotel ficou sabendo disso, mas ninguém almoçou lá. Resolvemos sair em grupos de três ou quatro para comer alguma coisa fora, em alguma lanchonete ou restaurant­e por perto”, revela o ex-meia.

Ele conta, que no trajeto do hotel para o estádio de São Januário, o silêncio imperou no ônibus. “A gente achava que ia perder de dois (gols), porque o Vasco era o favorito. Antes disso, contra o Corinthian­s, já tinha sido uma surpresa a gente ganhar. A imprensa carioca falou que o Vasco iria nos golear. Diziam: ‘Coitado do Londrina’”, relembra o ídolo alvicelest­e.

MACUMBA NO VESTIÁRIO

Garcia aponta que, no acesso a São Januário, que passa por uma rua estreita, os torcedores fecharam tudo. Quando desembarca­ram do ônibus, os jogadores do LEC se depararam com velas acesas, despachos de macumba espalhados pelo vestiário e muitos xingamento­s por parte dos adversário­s. Em um canto do gramado, havia sal e um galo morto. “O Santana, massagista do Vasco, espalhou aquela macumba no vestiário e no campo. Nosso massagista, Mário Fraga, limpou todas elas. Mas, durante a nossa oração, o pessoal do Vasco ficou batendo na porta do vestiário o tempo todo para fazer barulho. Era uma forma de pressionar a gente”, destaca.

A pressão extracampo não surtiu efeito. Logo aos oito minutos de partida, Brandão marcou o primeiro gol. “O Marco Antônio, lateral esquerdo deles, demorou um pouco e o Xaxá tomou a bola dele. Ele cortou para o meio e enfiou no meio dos dois zagueiros para o Brandão. A zaga deles, que era composta pelo Abel (Braga) e pelo Geraldo, ficou na mesma linha e, como o Brandão tinha aquele arranque, acabou fazendo o gol”, descreve Garcia.

SILÊNCIO

Como a torcida era predominan­temente vascaína, os torcedores do Londrina que estavam na arquibanca­da não comemorara­m o gol, com medo de represália­s. “Aquele silêncio foi tão estranho que achei que o árbitro tinha anulado o gol. Só vi que foi gol quando o Brandão correu para comemorar e veio na minha direção”, relata Garcia.

Embora o time do Vasco tivesse muitos jogadores de seleção brasileira, Garcia aponta que o jogo coletivo do Londrina estava melhor. “Nós dominamos o meio-campo deles. Individual­mente, eles eram superiores, mas a nossa equipe estava bem entrosada. Um jogador completava o outro. O Zé Roberto dominava, limpava a jogada e já tocava a bola. O Nenê e o Xaxá voltavam para marcar. Eu tinha força mas não tinha arranque, mas o Brandão tinha mais velocidade e me completava. Eu não gostava de marcar e o Xaxá marcava para mim. O Nenê cruzava mal, mas o Dirceu consertava. Tudo encaixava e a gente tinha um técnico inteligent­e, que pegava a melhor caracterís­tica de cada um”, aponta Garcia, se referindo ao técnico Armando Renganesch­i.

O ex-meia garante que, ao fazer isso, o treinador argentino conseguia que o grupo permaneces­se unido. “Uma vez ele falou para correrem por mim, já que a minha parte eu fazia. Isso me deu confiança. Ele foi como um pai para mim”, diz, emocionado.

Garcia enfatiza o bom desempenho do goleiro Mauro, que substituiu Paulo Rogério. “O que o Mauro jogou naquele dia eu nunca vi ele jogar na minha vida. Foram oito bolas indefensáv­eis que ele pegou. Com o Dinamite, com o Abel... Os goleiros daquela época não tinham tanta elasticida­de como têm hoje, mas o Mauro fechou o gol. Ele era reserva do Paulo Rogério e eu escutei alguém falando: ‘Se o reserva é assim, imagine o titular’”, elogia.

No retorno do intervalo, após uma cobrança de falta, Carlos Alberto Garcia fez o segundo gol da partida. “Se eu fiz três gols com a perna esquerda na minha carreira, foi muito, e aquele fiz de perna esquerda”, relembra o ex-jogador, que era conhecido como o Bem Amado, por distribuir beijinhos para a torcida nas comemoraçõ­es. O segundo gol deu tranquilid­ade ao LEC. “Se eles empatassem em 2 a 2, o resultado era nosso. Se fosse 3 a 2, também era nosso. Isso deu tranquilid­ade para a gente”, destaca.

O jogo foi ficando mas tenso, mas o Gigante da Colina se apequenou diante do Caçula Gigante. “O Zé Mario e o Abel eram os que davam mais trabalho, porque chegavam em jogadas duras, mas ninguém via essas coisas, porque não tinha câmera como tem hoje. Eles ameaçavam a gente toda hora”, relembra Garcia.

Com os 2 a 0 decretados, a torcida vascaína começou a ficar impaciente: passou a vaiar o próprio time e arremessou objetos em campo. “Eu mesmo recebi uma garrafada. Estava ficando perigoso”, diz Garcia. Assim que acabou a partida, jogadores e comissão técnica saíram correndo para o vestiário. “Lembro que ficamos presos ali no vestiário e chegamos ao hotel lá pelas 22 horas. Havia confusão do lado de fora, mas os torcedores estavam mais bravos com o Vasco”, afirma Garcia.

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Gustavo Carneiro
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Gustavo Carneiro

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