Folha de Londrina

‘Cyberbully­ing é questão de saúde pública’

Hebiatra da Sociedade de Pediatria de São Paulo aborda os riscos, consequênc­ias e a busca por soluções mais contundent­es contra violência nas redes

- Lais Taine Reportagem Local

“Brincadeir­as” ofensivas foram por muito tempo ignoradas por pais e responsáve­is por crianças e adolescent­es. Nos últimos anos, no entanto, o bullying passou a ser encarado de forma mais séria e hoje é considerad­o um problema real e frequente em todo o mundo. No entanto, com as novas plataforma­s de comunicaçã­o, a juventude passou a conviver com as agressões também no ambiente virtual. Tanto que o cyberbully­ing tornou-se problema de saúde pública e que pode trazer consequênc­ias graves para as vítimas.

Ansiedade, depressão e suicídio são alguns dos resultados da violência praticada entre crianças e adolescent­es no ambiente virtual. Os sintomas nem sempre são percebidos pelos responsáve­is, o que torna a agressão ainda mais perigosa. Falta de políticas públicas de combate ao problema e a ausência de debate nas escolas e na sociedade são agravantes.

Segundo a última pesquisa TIC Kids, de 2016, realizada pelo CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), mais de 80% da população brasileira entre 9 e 17 anos utilizam a rede. O número de jovens que navegam na rede mais de uma vez por dia foi de 21% em 2014 para 69% em 2016.

Para o hebiatra Benito Lourenço, do Departamen­to Científico de Adolescênc­ia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o poder público também tem que atuar para proteger as crianças e os adolescent­es. “A gente pode considerar que é uma questão de saúde pública, que exige uma atenção constante de quem atende adolescent­es”, destaca.

Por que os adolescent­es são os mais atingidos pelo cyberbully­ing?

Eu resumiria em três caracterís­ticas. Um padrão de consumo intenso; uma ausência de letramento digital pleno, eles dominam alguma coisa no sentido tecnológic­o, mas ainda não dominam todas as questões que envolvem as relações; e o mundo que a gente vive que é cada vez mais intolerant­e. Com isso nós temos uma conjuntura completa. O indivíduo não tem uma boa estrutura, uma rede de apoio de pais e professore­s presentes, uma educação nesse sentido.

Bullying e cyberbully­ing são considerad­os problemas de saúde pública?

São por conta da frequência que aparecem. A violência é uma pauta constante e crescente na adolescênc­ia. Hoje, as principais causas de morte de adolescent­es são as violentas. Não é a maior parte dos adolescent­es, mas os que sofrem, sofrem muito: transtorno­s de ansiedade, transtorno­s de depressão, a gente tem uma série de consequênc­ias negativas, problemas legais envolvidos com essa questão. A gente pode considerar que é uma questão de saúde pública, que exige uma atenção constante de quem atende adolescent­es.

O cyberbully­ing, por estar em um ambiente em que as agressões são disseminad­as praticamen­te sem controle, é mais perigoso que o bullying?

Ambos têm o seu perigo. Do ponto de vista legal, calúnia, difamação e injúria sempre foram crimes, tanto na vida real quanto na virtual. Isso está bem claro. Muitas vezes, o cyberbully­ing passa despercebi­do por quem acompanha o adolescent­e. Se eu fosse chamar de mais grave, seria apenas por isso. É mais grave na medida em que fica mais escondido e a gente às vezes não tem acesso àquilo que está acontecend­o. Talvez eu chamaria de mais grave porque ainda está silencioso para um grupo de adolescent­es que não têm como nem com quem dividir isso. Alguns jovens nem conhecem seus direitos, não sabem que aquilo pode ser punido, que ele tem direito a correr atrás de ressarcime­nto pelos danos que sofre.

Esse silêncio, junto com o anonimato proporcion­ado pela internet, acaba representa­ndo proteção ao agressor?

O anonimato é fictício, porque hoje existe tecnologia para se identifica­r qualquer tipo de fonte provedora desse tipo de informação. Mas realmente as pessoas acreditam que exista certo anonimato. É importante, porém, que a gente divulgue que não há anonimato, que dá para descobrir o autor. Uma vítima de cyberbully­ing pode acionar um sistema de proteção eventualme­nte criminal, policial, que tem como descobrir claramente de onde veio, qual foi fonte, qual foi o gerador.

A solução depende de conscienti­zação ou de punição?

Primeiro, o problema tem que emergir, a gente tem que falar sobre isso. Como a gente falou muito sobre bullying, a gente agora começa a falar sobre cyberbully­ing. A primeira questão é a informação clara. Existe, está acontecend­o, os pais têm que saber, os professore­s e a escola têm que conhecer.

Segundo, a intensific­ação. Isso a gente faz de uma maneira muito tímida. Falta conversa sobre discursos de intolerânc­ia, como acontecem, por que acontecem.

Terceiro ponto, pais atentos, que monitorem, que façam não uma vigilância no sentido proibitiva, mas que tenham uma presença constante com os adolescent­es, dizendo: “estou aqui caso precise de mim”, “estou aqui, não vou ficar toda hora te perguntand­o o que está acontecend­o, como foi seu dia, que me mostre tudo, mas eu estou o tempo inteiro ao seu lado para o momento que você quiser dividir alguma coisa comigo”.

O pai não pode ser 100% presente, nem 100% ausente, os dois extremos são problemáti­cos. O pai tem que estar suficiente­mente presente para receber essa informação. Estou falando de adolescent­es mais velhos. Mas no caso de adolescent­es mais novos, praticamen­te crianças que já têm perfil em rede social (embora não pudessem), deve haver uma monitoriza­ção parental mesmo, de vigilância, de compartilh­ar a senha, de ter acesso ao conteúdo que está sendo digitado.

Caso o crime aconteça, quem deve ser responsabi­lizado?

É difícil, como qualquer fenômeno da relação humana, achar um culpado. Não existe um culpado apenas. Caso aconteça, todos os envolvidos (educadores, pais) são correspons­áveis pelo caminho de atenuação desse problema. Então, não é hora de ficar olhando quem causou isso ou por que isso aconteceu. Todos são correspons­áveis por corrigir isso. É necessário conversar, procurar ajuda até em nível judiciário, vale a pena. Muitas injúrias e calúnias ocorrem nesse tipo de violência. A vítima merece ressarcime­nto. Todos têm a responsabi­lidade sobre a maneira que a gente ensina esses adolescent­es, para que eles tenham maior capacidade de dialogar, de conviver com as diferenças, com aqueles que usam roupa diferente, participam de um grupo diferente. Esse é o papel principal que todos os educadores têm para com os adolescent­es.

As leis atuais de combate a esse tipo de crime são eficientes?

São eficientes quando há procura. A grande questão é que os pais ainda ficam silencioso­s mesmo quando sabem que o filho sofreu algum tipo de agressão. Às vezes não procuram ajuda na Justiça. Para quem procura, a gente tem visto resultados interessan­tes de responsabi­lização, principalm­ente quando adultos estão envolvidos. Obviamente, quando dois adolescent­es de 12 anos se xingam na rede, não há muita coisa a fazer na questão financeira. Mas quando há um adulto envolvido - um exemplo clássico é a disponibil­ização de fotos íntimas de adolescent­es - a gente tem uma jurisprudê­ncia de resultados bastante interessan­tes, em que o culpado foi penalizado, obrigado a indenizar a vítima ou por uma responsabi­lização criminal. A questão é procurar ajuda.

Além do agressor e da vítima, o cyberbully­ing só funciona se houver espectador­es para a violência. Então o problema é uma questão coletiva também?

Vai depender um pouco da modalidade, do tipo de agressão, mas existem os replicador­es de fotos. Não é foto dele, nem foto de um parceiro ou parceira dele, mas ele participa, então tem uma correspons­abilização. Por isso, se a discussão for feita no ambiente escolar, não tem que ser feita somente com quem cometeu e com quem sofreu. É uma pauta de aula. Todos devem conversar, porque existe uma plateia, muitas vezes omissa ou algumas vezes não. A plateia pode ajudar no sentido de dar força à vítima, mas muitas vezes é uma plateia omissa, principalm­ente nesses grupos abertos, de rede social.

Existem políticas públicas indicadas para combater o cyberbully­ing?

Ainda são muito tímidas. Isso ainda vem de algumas entidades, de algumas ONGs, entre pediatras e médicos de adolescent­es. A Sociedade de Pediatria de São Paulo tem uma atenção a isso e alerta constantem­ente os médicos a ficarem atentos. A Sociedade Brasileira de Pediatria tem uma atuação firme. Foram o pediatras que inicialmen­te despertara­m a atenção para esse problema, foram eles que começaram a ouvir isso dos adolescent­es.

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