Novos atores precisam fazer mais do que aproximar vendedores e compradores de grãos
ABCD não designa apenas as quatro primeiras letras do nosso alfabeto. Indica, também, as iniciais de ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, o quarteto que durante décadas controlou, e ainda controla, o comércio mundial de grãos, seja como comprador, armazenador, transportador, processador ou distribuidor.
Em 2014, fui convidado pelo Banco HSBC para integrar um grupo de empresários brasileiros que comercializam grãos de soja, para reunir-se em Pequim com um grupo de empresários chineses, com o propósito de aproximar vendedores de compradores do produto e assim negociarem diretamente a compra e a venda da commodity, sem a intermediação das quatro tradings controladoras do mercado.
Minha tarefa foi a de apresentar um diagnóstico do agronegócio da soja brasileira aos empresários da China, informando-os sobre o rápido desenvolvimento da cultura no Brasil, suas causas e impactos, além do seu potencial de crescimento. O objetivo do banco era servir de intermediário nas eventuais negociações entre as partes, auferindo lucros com o financiamento das presumíveis transações dali resultantes. A iniciativa foi elogiável, mas não avançou. Por quê?
As quatro irmãs, como são conhecidas, têm dominado o comércio global dos grãos porque são gigantes. E são gigantes porque também controlam os navios de transporte, os armazéns portuários e os portos, não deixando muito espaço para novatos sem estrutura e sem experiência. Para enfrentar a família ABCD, os novos atores precisam fazer muito mais do que aproximar os vendedores dos compradores, conforme proposto por aquela iniciativa do HSBC. É preciso, principalmente, ser igualmente grande e diversificado verticalmente.
Mas já começam a aparecer competidores à altura das quatro irmãs. São empresas com tamanho e competência para enfrentá-las, com destaque para a chinesa Cofco e a sul coreana CJ (CheilJedang). A brasileira Rumo Logística, pertencente ao Grupo Cosan e resultado da fusão (em 2015) da Rumo (fundada em 2008) com a ALL, também está dando sinais de que poderá tornar-se gigante e abocanhar um naco desse enorme mercado que tem no Brasil um importante parceiro, dada a sua gigantesca produção de grãos. Refira-se que, no correr dos últimos 27 anos, avançou de 58 (1990) para 240 milhões de toneladas (2017) e continua crescendo, sem indicativos de que seu teto tenha sido alcançado. Destaque para os grãos de soja e de milho, responsáveis por quase 90% desse montante, com parcela ponderável da produção destinada à exportação, sob diversas formas.
O Brasil é um destino obrigatório para qualquer grande trading agrícola, dada a sua importância no mercado de commodities: 1º e 2º exportador global de grãos de soja e de milho, respectivamente. A CJ sabe disso e espera duplicar de 10 para 20 milhões de toneladas no médio prazo, o atual volume de grãos brasileiros negociados no mercado global.
Diferentemente da Cofco, que optou por adquirir em 2014 a Nidera, trading multinacional de grãos sediada na Holanda (mais conhecida no Brasil como empresa de sementes) para alcançar os produtores brasileiros, a CJ está montando sua própria equipe no Brasil, com escritórios para compra de grãos em Londrina, Passo Fundo (RS) e Rio Verde (GO), por serem polos regionais.
Tamanho é documento, mas além de tamanho é preciso ter competência para enfrentar as atuais quatro gigantes do mercado de grãos. Cofco, CJ e Rumo estão no caminho? Acreditamos que sim.
Para enfrentar a família ABCD, os novos atores precisam fazer muito mais do que aproximar os vendedores dos compradores. É preciso ser igualmente grande e diversificado verticalmente”