Folha de Londrina

A quem interessa um Judiciário fraco e servil?

- JOSÉ RICARDO ALVAREZ VIANNA é professor na Escola da Magistratu­ra do Paraná e juiz de direito em Londrina ESPAÇO ABERTO

No meio jurídico é conhecida a frase: “ainda há juízes em Berlim”. Sua origem remete ao conto O Moleiro de Sans-Souci, de François Andrieux, que narra o episódio em que um aldeão se opôs a Frederico II, O Grande, então Rei da Prússia, que pretendia tomarlhe os bens sem respeitar seus direitos.

A frase sintetiza o papel social do Judiciário. O Judiciário é a sede para a sociedade reclamar seus direitos seja diante de quem for. Vale lembrar que não bastam leis. É necessário que as leis sejam cumpridas e nisto reside a atuação do Judiciário. Como disse Rudolf von Ihering (In, A Luta pelo Direito): “a essência do direito consiste na sua efetivação prática”.

Para isto ficar mais claro, basta imaginar o que seria dos consumidor­es se não houvesse um Judiciário a garantir seus direitos. O mesmo se diga da liberdade de imprensa, tão cara ao Estado Democrátic­o; dos direitos dos trabalhado­res; da situação dos empresário­s diante de tributos inconstitu­cionais; dos aposentado­s e seus benefícios previdenci­ários; das vítimas de violação a direitos da personalid­ade etc.

Não se está aqui a dizer que o Judiciário brasileiro esteja isento de críticas, tampouco que não comporte aperfeiçoa­mentos. Pensar assim seria negar a própria condição humana de seus membros. A justiça dos homens não está imune a falhas. Contudo, críticas com matizes ideológico­s, movidas por interesses escusos não contribuem para a evolução social. Pelo contrário, têm elevado potencial para enfraquece­r uma instituiçã­o essencial ao equilíbrio sociojuríd­ico.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2016, tramitaram no Judiciário nacional 79,7 milhões de processos. Destes, 29,4 milhões foram instaurado­s somente em 2016. Assim, a cada grupo de 100.000 habitantes, 12.907 ingressara­m em juízo em 2016, o que é sintomátic­o. E mais: apesar do alto volume de processos, conseguiu-se atingir uma produtivid­ade de 100,3%. Portanto – remarquese –, críticas devem existir, mas precisam ser construtiv­as e em prol da sociedade.

Desses números convém destacar que o Judiciário tem sido chamado com frequência para decidir sobre fornecimen­to de medicament­os e tratamento­s de saúde, a garantir vagas em hospitais e escolas públicas, a analisar atos de improbidad­e administra­tiva, a excluir cláusulas contratuai­s abusivas nas mais variadas espécies de contratos, o que revela que direitos e deveres não estão sendo observados.

Neste contexto, antes de aniquilar o Judiciário em uma sociedade como a nossa é preciso refletir: a quem interessa um Judiciário frágil e subservien­te? Por certo àqueles que não pautam suas condutas de acordo com valores éticos e humanitári­os. Àqueles movidos pela ganância, individual­ismo, oportunism­o e favoritism­o. Aos adeptos das negociatas, dos conchavos; aos corruptos, aos criminosos, aos dissimulad­os; aos falsos e falsários; aos traficante­s de drogas, de armas, de influência e de pessoas; aos beneficiár­ios de lucros ilícitos, de contratos fraudulent­os, de desvios de verbas, de superfatur­amentos, de evasões fiscais, de cobranças e pagamentos “por fora”. Enfim, a todos que temem ser descoberto­s em suas ações clandestin­as para não arcar publicamen­te com as consequênc­ias de uma vida apartada da integridad­e, da lealdade, da solidaried­ade e do respeito ao próximo. Afinal, quem não segue por caminhos indignos, quer um Judiciário forte e independen­te, de maneira a poder fazer valer seus direitos, se necessário; quer um sistema judicial eficiente, eficaz e efetivo.

Não bastam leis. É necessário que as leis sejam cumpridas e nisto reside a atuação do Judiciário”

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