Folha de Londrina

Eterna bossa nova

Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle lançam álbum juntos pelo selo Biscoito Fino

- Rafael Gregório Folhapress

Recém-lançado pela Biscoito Fino, um disco reunindo Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle vem preencher uma relevante lacuna na discografi­a desses três amigos cujas trajetória­s marcam a música popular brasileira.

Foi no início dos anos 1960 que os aspirantes a músicos se conheceram, no Rio de Janeiro. Nascidos em 1943, em um intervalo de 19 dias, traziam em comum o fascínio pela bossa nova de João Gilberto e Tom Jobim (1927-1994).

Àquela altura, começava a virar febre nos Estados Unidos aquela fusão das tradições do samba com as do cool jazz, marcada pelo apuro harmônico e pelo minimalism­o. Juntos, os três tocaram suas primeiras canções: Valle ao piano, Lobo e Caymmi ao violão.

Nas décadas por vir, unidos em shows e programas de TV ou em suas carreiras solo, eles somariam aos repertório­s dos maiores intérprete­s do país, como Elis Regina (1945-1982). Era a segunda geração da bossa nova, como ficou conhecido o grupo, do qual também fazem parte nomes como João Donato e Carlos Lyra.

Faltava a Lobo, Caymmi e Valle, entretanto, um disco juntos. Após 55 anos, a ideia quase vira realidade no álbum “Edu, Dori e Marcos”.

Quase, pois a rigor não é um trabalho em equipe. Nas 12 faixas, cada um canta duas composiçõe­s dos outros com total autonomia, desde a escalação dos músicos até os arranjos, passando pela produção.

A ideia surgiu em julho de 2016. Valle fazia shows com a cantora Stacey Kent para divulgar um DVD que haviam gravado nos EUA, onde vive.

À chegada da turnê em São Paulo, o músico viu um bom mote para reunir os amigos. “Foi muito emocional. A gente ria pra caramba, parecíamos garotos de colégio”, comenta.

Não há inéditas, mas sucessos das carreiras. É o caso de “Bloco do Eu Sozinho”, de Valle e Ruy Guerra, revista por Caymmi; “Velho Piano”, de Caymmi e Paulo César Pinheiro, relida por Lobo; e “Corrida de Jangada”, de Lobo e Capinan, interpreta­da por Valle.

A ideia, diz Caymmi, foi preservar as personalid­ades de cada um. “A gente não se falou pra decidir o que fazer, não houve patrulha.”

Essa premissa norteou também a seleção do repertório.

Caymmi, por exemplo, diz ter escolhido “as coisas mais tristes” dos amigos: “Sou mais sombrio, gosto da coisa lenta”.

Já Valle norteou as escolhas “pelo lado emocional”. “Saveiros”, por exemplo, adentrou sua seleção pela memória de uma vaia: quando a parceria entre Caymmi e Nelson Motta foi hostilizad­a no 1º Festival Internacio­nal da Canção, em 1966, ele foi um dos primeiros a acudirem e consolarem o autor.

Já “Alegre Menina”, diz, entrou por ter letra do escritor Jorge Amado (1912-2001) e por ilustrar um “lado mais balançado” do amigo Dori: “Ele diz que não é de suingar, mas é, sim; quando entra no baião é com elegância. Eu adoro”.

A fragmentaç­ão inerente à forma como o disco foi concebido sobressai, mas há harmonia suficiente no conjunto da obra. Para tanto, contribuem o entrosamen­to entre os amigos e o apreço que guardam pelo requinte formal.

Fica uma vontade de ouvi-los interagind­o, é verdade; mas ela pode vir a ser aplacada nos shows que pretendem fazer a partir de setembro.

Eventuais falhas, porém, não nublam o ativo emocional do trabalho.

“A gente sente um pouco a idade: o vibrato muda, o tom da voz fica mais baixo. Por isso que, a essa altura, esse disco tem tanta conotação sentimenta­l. É um reencontro entre amigos de muitos anos”, resume Caymmi.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil