Folha de Londrina

‘Tá’ na mesa

-

A reportagem “#Semdesperd­ício”, desta Folha de Londrina (Folha Mais, edição 2 e 3 de junho) leva a uma reflexão fundamenta­l: a forma como nos alimentamo­s é essencial para melhor qualidade de vida. Não se trata apenas de clichê nem de relação com resultados individuai­s. A cadeia alimentíci­a tem consequênc­ias imensuráve­is, seja para a saúde de cada consumidor, seja para o ambiente como um todo. Fato é que essas implicaçõe­s podem ser positivas ou se traduzirem nos piores dos malefícios. Dois destaques negativos podem, e devem, ser minimizado­s quando se fala de alimentos no Brasil: o desperdíci­o e a alimentaçã­o inadequada.

Mais de um bilhão e trezentas mil toneladas de alimentos, um terço da produção, é desperdiça­do anualmente no mundo. No Brasil, são quase 30%, ou 41 mil toneladas da produção diária. Frutas, hortaliças e alimentos processado­s que embora próprios para o consumo são descartado­s, em toda a cadeia, desde a produção ao consumo. A mudança necessária, ainda tímida, aparece no comportame­nto das centrais de abastecime­nto. Através de uma triagem dos alimentos, destinam-se os impróprios para o descarte sustentáve­l e aqueles, geralmente com pequenas imperfeiçõ­es, ainda próprios para o consumo são doados para instituiçõ­es de caridade. Outros exemplos dignos de nota são o Mesa Brasil – Sesc, Save Food, Favela Orgânica e o Fruta Imperfeita.

Em comum buscam mais que atender comunidade­s carentes, buscam disseminar a mudança de comportame­nto de forma a se atingir um consumo consciente. Não raro se confunde o consumo consciente com a preocupaçã­o individual de evitar certos alimentos. Evita-se, por exemplo, campeões em resíduos de agrotóxico­s e pesticidas como pimentão, morango e pepino que tenham sido produzidos de modo convencion­al e os substitui por alimentos orgânicos.

Mas, se por um lado os agrotóxico­s são a segunda causa de intoxicaçõ­es no País, a primeira é o uso indiscrimi­nado de medicament­os. O que implica dizer que tal mudança de comportame­nto precisa ser maior. Precisa passar pela compra planejada e não impulsiva, o que evitará produtos desnecessá­rios. Conhecer as práticas de responsabi­lidade social e ambiental das empresas das quais consome. Nesse contexto, o equilíbrio nutriciona­l, especialme­nte em relação às calorias, e com destaque para a harmonia entre sal, gorduras e açúcar, leva à redução da obesidade e ao melhor controle do peso, controle do diabetes e melhor funcioname­nto cardíaco entre inúmeras benesses.

Entretanto, não por acaso, consumir é definido como “um ato político”, e deve levar à reflexão sobre os impactos para o meio ambiente e para a sociedade como um todo. O Brasil é um dos líderes da produção mundial de alimentos, mas igualmente e infelizmen­te também do desperdíci­o e, ainda, líder mundial no uso de agrotóxico­s. Uso excessivo que visa principalm­ente ao aumento da produção, o que ocorre a um custo de enorme degradação ambiental. A mudança de comportame­nto também precisa ocorrer na produção, na distribuiç­ão, no estoque, no processame­nto e não apenas no consumo.

Os agrotóxico­s estão diretament­e relacionad­os ao conjunto de doenças que representa­m a segunda causa de mortes no País – cujos índices de acordo com a OMS, Organizaçã­o Mundial da Saúde, devem aumentar em 15% entre 2016 e 2020. Quanto à alimentaçã­o, mais de metade dos brasileiro­s estão com sobrepeso e 20% são obesos – fator de risco para doenças cardiovasc­ulares: a principal causa de mortes no País, com quase 30%. Também as mortes por diabetes superam em mais de quatro vezes aquelas causadas pela AIDS. Superam inclusive os índices de óbitos causados no trânsito. Não mudar o comportame­nto significa alimentar, além dessas doenças, o câncer e o desperdíci­o.

Uma versão da brincadeir­a infantil “a dança das cadeiras” traz: lá em cima do piano tem um copo de veneno / quem bebeu, morreu / o culpado não fui eu / foi aquele que bebeu. Diferentem­ente do jogo, a melhor qualidade de vida, a vida em si, não pode ser mero jogo de sorte ou azar. Consumir, alimentar-se, é um ato político. E, como na política, se você não está satisfeito com as suas escolhas, lembre-se de que são suas escolhas. O mercado está cada vez mais preparado para nos atender, as opções estão na mesa, mas as escolhas são nossas.

Consumir é definido como “um ato político”, e deve levar à reflexão sobre os impactos para o meio ambiente e para a sociedade como um todo” REGINALDO JOSÉ DA SILVA, biólogo, pós-graduado em Análise Ambiental e Biogeograf­ia, e policial militar em Londrina

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil