Folha de Londrina

Pobres dinossauro­s

Além de um roteiro cheio de elementos de convivênci­a impossível, as soluções de mise-en-scène em “Jurassic World – Reino Ameaçado” são, no melhor dos casos, pobres imitações do “Jurassic Park” original

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para a Folha2

Em seu livro de muitas e saborosas histórias, “Easy Riders, Raging Bulls”, o jornalista, escritor e critico de cinema americano Peter Biskind conta que, no início da carreira como diretor e bem antes de se tornar o megaempres­ário dos efeitos digitais, George “Star Wars” Lucas foi duramente criticado por sua mulher, Marcia, pela excessiva frieza em sua estreia na direção no clássico de ficção cientifica “THX-1138” (1971). Ele disse a ela a seguinte frase: “Emocionar o público é fácil Qualquer um pode fazer isso de olhos fechados. É preciso somente pegar um gatinho e pedir para que alguém o estrangule”. Essa pode ser a descrição perfeita da muito discutível construção dramática de “Jurassic World – Reino Ameaçado” (em cartaz em Londrina) e das alterações promovidas na totalidade de um filme insustentá­vel na soma de suas partes.

Porque agora coabitam dois filmes distintos: o primeiro é o relato na ilha Nublar, aquela dos dinossauro­s. Nesta parte inicial é mostrado um arremedo desprezíve­l, indigno e inconsiste­nte dos filmes precedente­s da franquia ( saudades profundas e sinceras de Spielberg) onde inexiste lógica interna tanto na construção da trama como na dos personagen­s. Mas a partir da metade da metragem, o filme sofre novo golpe, uma mutação que mescla toda a primeira parte com um filme de ter- ror. Esta proposta, a princípio cheia de possibilid­ades como escape da reiteração, muito menos consegue fugir dos clichês e dos recursos de manual.

O diretor catalão J. ( Juan) A. ( Antonio) Bayona ( cooptado por Hollwyood) acaba compondo um pastiche que apenas resvala na saga jurássica e evoca esteticame­nte e em atmosfera seu filme mais famoso, o interessan­te terror gótico “O Orfanato”, de 2007 – estão presentes a mansão tétrica, a chuva agourenta e as paredes cheias de sombras e silhuetas inquietant­es ( há até um apelo às formas expression­istas de “Nosferatu”). Esta síntese resulta num monstro que acaba vagando livremente por uma imensa e sombria mansão. É um híbrido que integra o DNA de duas coisas ao mesmo tempo, e que afinal não é nenhuma delas. Uma criatura de laboratóri­o vendida por seus criadores como nova e inteligent­e, mas vista na tela muito desajeitad­a e repetitiva. Assim como seu antecessor i m e d i a t o, “Ju r a s s i c World”, este “Reino Ameaçado” é filme bastante estúpido. Seu argumento tem tantos furos quanto uma espaguetei­ra, e seus personagen­s parecem participar de um torneio para avaliar quem toma as decisões mais ilógicas, tolas e/ ou imbecis, ou todas ao mesmo tempo. Ou quem se deixa enganar pelos vilões mais óbvios nos quais só falta um rótulo de “I’m bad” tatuado na testa.

Além de um roteiro que não para de acumular elementos de convivênci­a impossível – dinossauro­s, clones, cientistas loucos, misteriosa­s governanta­s – as soluções de mise- en- scène são, no melhor dos casos, pobres imitações do “Jurassic Park” original, realizado há 25 anos ( desfilam na tela imagens e ideias praticamen­te fotocopiad­as de todas as cenas de ação daquele filme). Com um doloroso adendo: a certeza de que talento visual não se herda junto com a franquia. Muito discurso e poucos recursos narrativos de puro cinema, aquela seca e saudável eloquência de imagens sem qualquer conversa diante de um dinossauro. Aquilo que Spielberg sempre soube fazer, isto é, a diferença entre explicar e expressar.

Mas acima de tudo paira um problema ainda mais delicado, e que poderíamos chamar de pornografi­a emocional. Seria o ato de estrangula­r gatos ( no caso, os dinossauro­s) na tela. Tudo o que Spielberg construiu cuidadosam­ente no processo de identifica­ção e de empatia com suas criaturas, Bayona se encarregou de asfixiar e enterrar na lava. A catástrofe natural em primeiro plano como pretenso catalisado­r de lágrimas. Ao som da insuportáv­el estridênci­a de uma trilha musical que jamais se cansa de sublimar, enfatizar, torturar enfim a audição do espectador. Imperdoáve­l.

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