Folha de Londrina

O desejo de quase todas as mães e pais: tomar para si a dor de um filho

- AVENIDA PARANÁ

A família morava numa casa de madeira em Apucarana. Lá fora zunia o vento das geadas que ameaçavam os cafezais no Norte do Paraná; geadas que dentro de alguns anos viriam a encerrar a era do café. Naqueles meses de inverno, antes da hora de dormir, Catarina passava com ferro quente os cobertores de cada um dos oito filhos, para que durante o sono eles estivessem mais protegidos contra o frio. Aquele cobertor aquecido era como que a extensão das mãos de Catarina; incapaz de abraçar as oito crianças ao mesmo tempo, ela as protegia com a ajuda do ferro de passar.

Certa noite Elizabeth Maria queixou-se de dor de dentes. Não havia dentista naquela hora. Catarina levou a filha até o quarto, pediu que ela se deitasse e amarrou um lenço em torno de suas bochechas. Com as mãos, afagava o local do dente latejante. Rezava silenciosa­mente, pedindo a intercessã­o de Nossa Senhora.

Mãe, eu sei que o Menino Jesus teve essa mesma dor algum dia. Por favor, faz o que for preciso para que ela passe.

No dia seguinte, Elizabeth acordou sem dor. Como que por mágica, o dente não latejava mais. Quando procurou a mãe para lhe dar a boa notícia, Catarina estava preparando café na cozinha. Um raio de sol invernal iluminava o coador, de onde saía um vapor cálido e o delicioso cheiro do café paranaense. Quando Catarina notou a presença da filha, virou-se para ela. Então Elizabeth viu que o rosto da mãe estava inchado exatamente no mesmo lugar que lhe doía na noite anterior.

Catarina conseguira naquele momento realizar o que é o desejo de quase todas as mães e pais deste mundo: tomar para si a dor de um filho.

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Meu amigo Gerson Guariente me viu no ponto de ônibus outro dia. Até aí, nada demais: como vocês sete sabem, sou usuário do sistema de transporte público. Vivo carregando nos bolsos as moedas para facilitar o troco dos cobradores.

Acontece que o Gerson me achou triste, desanimado. Só no dia seguinte, ao ler o jornal, ele entendeu o motivo do meu abatimento: eu estava com dor de garganta.

Mas não foi só o Gerson triste. A leitora Maria Aguiar enviou-me um xarope de mel com a seguinte cartinha: “Paulo Briguet,

Tome esse xarope que é ‘tiro e queda’. Veio lá da minha terra, que é o Espírito Santo.

Não repare o meu ‘rabisco’, pois tenho 80 anos.

Abraços,

Maria Aguiar.

PS: Tem que agitar o frasco.”

Não é uma alegria ter sete leitores tão especiais? Eu me senti abraçado de novo por minha Vó Maria. *******

Dedico esta crônica ao meu amigo Naym Libos, figura querida em Londrina, que nos deixou aos 80 anos. Abraça a tua mãe no Céu, Naym.

A história da mãe que conseguiu tomar para si a dor de uma filha

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