Folha de Londrina

CÉLIA MUSILLI

- Celia.musilli@gmail.com

Agosto, com suas folhas caídas e o clima destempera­do, sempre me abre a nostalgia

Agosto sempre me abre a nostalgia. Até por isso, passei a semana lendo homenagens a Naym Libos, que faleceu na última quarta-feira (1). Não era sua amiga, mas lembro de sua presença forte em muitos lugares de Londrina. Na última vez, há poucas semanas, o vi no Calçadão cercado de pessoas que riam com ele. Figura emblemátic­a da cidade, era um desses personagen­s urbanos que se alguém não conhecia pelo menos já tinha ouvido falar. Jornalista, ex-vereador, corintiano de carteirinh­a, recebeu homenagens de pessoas da imprensa das mais diferentes tendências políticas: de José Maschio a Cláudio Osti, de Flávio Campos a José Pedrialli, numa demonstraç­ão de amizade acima das divergênci­as. Mas não estou aqui para falar de política e sim da morte que se não nos deixa sem palavras, nos dá frases para consolar, lembrar, noticiar.

Desta vez não foi diferente e, diante da morte que repercutiu na cidade, lembrei-me também das minhas perdas, mais especialme­nte da perda de duas amigas que já se foram do mundo, mas continuam em mim. Suad Assaf, mãe do Hermano e da Sofia Pellegrini, conheci desde que cheguei em Londrina, no fim dos anos 70, para fazer cursinho e faculdade. Ela se foi num mês de março e minha reação foi fazer um poema que lembrasse para sempre nossa amizade, além da delicadeza de sua passagem pela vida. Esse poema, está no meu primeiro livro, “Sensível Desafio” (2006):

DESPEDIDA

na noite em que te perdemos deixamos para trás os dias sucessivos que vivemos era só você estendida outono precoce março que se despede e flutua a morte refletindo a vida seu brilho refletindo a lua

Houve ainda a perda imensa da psicóloga Shirley Mesquita, que as crianças e adolescent­es de um centro de socioeduca­ção de Londrina chamavam carinhosam­ente de “tia Shirley”. A perda dessa amiga me deixou sem fala e quando finalmente consegui escrever sobre ela, saiu tão dolorido que pensei que aquele seria meu texto definitivo sobre a morte. Esse texto - “O sonho vão da imortalida­de” - se encontra no livro “Todas as mulheres em mim” (2010). Segue um trecho:

“Afinal, Senhor, nascemos, crescemos e nos multiplica­mos e, quando enfim nos separamos, essa paisagem interior cria uma névoa de isolamento e nossos espíritos se apartam mergulhand­o no vazio. Ali, cada gota de felicidade não pode ser retomada porque cada um de nós já teve sua dose de embriaguez no cálice da vida, que não pode ser preenchido mais de uma vez por alegrias porque dele também escorrem lágrimas, como o cristal do pensamento que se redime das culpas e do medos. E, assim, transborda­mos para a morte como almas líquidas e embarcaçõe­s de saudades perenes e consoladas. Quem nos atravessa é o barqueiro, do qual não me atrevo a dizer nem o nome.”

Com essas lembranças, atravessei a semana e me desculpem se hoje não escrevo um texto alegre. Agosto, com suas folhas caídas e o clima destempera­do, sempre me abre a nostalgia.

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Ilustração: Marco Jacobsen

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