Descriminalização do aborto divide especialistas
Brasília -
Por quase cinco horas, médicos e profissionais ligados à área de saúde de diferentes segmentos defenderam ou criticaram o pedido para que a interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco de vida ou fetos anencéfalos. Desde março de 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa uma ação que amplia esse direito.
Antes de decidir sobre o tema, a relatora da ação no STF, ministra Rosa Weber, decidiu marcar audiência pública para ouvir especialistas de saúde, direitos humanos, pesquisadores e cientistas e religiosos.
Na primeira parte da audiência, 14 convidados falaram favoravelmente à descriminalização do procedimento, destacando direitos da mulher como dignidade e cidadania e alertando para casos de violência doméstica, gravidez indesejada na adolescência, entre outros relatos que levam milhares de mulheres a buscar métodos clandestinos de aborto.
A principal preocupação desses especialistas são as complicações e mortes ocasionadas, de certa forma, pelas dificuldades devidas à criminalização do ato. Eles argumentam que, deixando de ser crime, o procedimento passará a ser mais seguro e poderá integrar uma política mais completa de saúde que inclua o aconselhamento anticonceptivo que poderia evitar novos casos.
A professora Melania Amorim, do Instituto Paraibano de Pesquisa Joaquim Amorim Neto, afirmou que a mortalidade materna relacionada ao aborto seguro é considerada zero nos países em que ele é descriminalizado, enquanto o Brasil tem uma morte por aborto a cada dois dias.
CHUTES
O médico ginecologista Rafael Câmara, coordenador da Residência Médica e Ginecologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirmou que “a liberação do aborto, sim, é problema de saúde pública”. Ele questionou as pesquisas sobre mortes e complicações por aborto ilegal. “Não dá para estimar a porcentagem de abortos ilegais. Não há epidemia de internações por aborto. Essas estimativas são chutes.”
Segundo o médico, nem sequer o perfil de mulheres mais afetadas pelas complicações do aborto ilegal pode ser considerado verdadeiro. “A saúde publica é ruim para todo mundo. Sou médico da saúde pública.” Ele afirmou ainda que o aborto legal “não é tão seguro assim” e disse que muitos médicos se recusam a executar o procedimento mesmo nos casos previstos em lei, como os de estupro.
A ação pede que a interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. Segundo a médica Lenise Garcia, do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida, a referência de semana tem como única justificativa o fato de o aborto no início da gestação oferecer menos riscos à mulher do que o trabalho de parto. “Não existe nenhuma referência relativa ao desenvolvimento do embrião. É totalmente arbitrária a definição de 12 semanas. Tanto é que Portugal trabalha com 10 semanas, a Argentina com 14, o Reino Unido, com 20”, disse. “E, se o aborto é um problema, não pode ser solução.”
A audiência pública será retomada nesta segunda-feira (6). Depois, a ministra Rosa Weber terá um tempo para redigir seu voto para, em seguida, agendar a data do julgamento no plenário do Supremo.