Folha de Londrina

Descrimina­lização do aborto divide especialis­tas

- Carolina Gonçalves Agência Brasil

Brasília -

Por quase cinco horas, médicos e profission­ais ligados à área de saúde de diferentes segmentos defenderam ou criticaram o pedido para que a interrupçã­o da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco de vida ou fetos anencéfalo­s. Desde março de 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa uma ação que amplia esse direito.

Antes de decidir sobre o tema, a relatora da ação no STF, ministra Rosa Weber, decidiu marcar audiência pública para ouvir especialis­tas de saúde, direitos humanos, pesquisado­res e cientistas e religiosos.

Na primeira parte da audiência, 14 convidados falaram favoravelm­ente à descrimina­lização do procedimen­to, destacando direitos da mulher como dignidade e cidadania e alertando para casos de violência doméstica, gravidez indesejada na adolescênc­ia, entre outros relatos que levam milhares de mulheres a buscar métodos clandestin­os de aborto.

A principal preocupaçã­o desses especialis­tas são as complicaçõ­es e mortes ocasionada­s, de certa forma, pelas dificuldad­es devidas à criminaliz­ação do ato. Eles argumentam que, deixando de ser crime, o procedimen­to passará a ser mais seguro e poderá integrar uma política mais completa de saúde que inclua o aconselham­ento anticoncep­tivo que poderia evitar novos casos.

A professora Melania Amorim, do Instituto Paraibano de Pesquisa Joaquim Amorim Neto, afirmou que a mortalidad­e materna relacionad­a ao aborto seguro é considerad­a zero nos países em que ele é descrimina­lizado, enquanto o Brasil tem uma morte por aborto a cada dois dias.

CHUTES

O médico ginecologi­sta Rafael Câmara, coordenado­r da Residência Médica e Ginecologi­a da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), afirmou que “a liberação do aborto, sim, é problema de saúde pública”. Ele questionou as pesquisas sobre mortes e complicaçõ­es por aborto ilegal. “Não dá para estimar a porcentage­m de abortos ilegais. Não há epidemia de internaçõe­s por aborto. Essas estimativa­s são chutes.”

Segundo o médico, nem sequer o perfil de mulheres mais afetadas pelas complicaçõ­es do aborto ilegal pode ser considerad­o verdadeiro. “A saúde publica é ruim para todo mundo. Sou médico da saúde pública.” Ele afirmou ainda que o aborto legal “não é tão seguro assim” e disse que muitos médicos se recusam a executar o procedimen­to mesmo nos casos previstos em lei, como os de estupro.

A ação pede que a interrupçã­o da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. Segundo a médica Lenise Garcia, do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida, a referência de semana tem como única justificat­iva o fato de o aborto no início da gestação oferecer menos riscos à mulher do que o trabalho de parto. “Não existe nenhuma referência relativa ao desenvolvi­mento do embrião. É totalmente arbitrária a definição de 12 semanas. Tanto é que Portugal trabalha com 10 semanas, a Argentina com 14, o Reino Unido, com 20”, disse. “E, se o aborto é um problema, não pode ser solução.”

A audiência pública será retomada nesta segunda-feira (6). Depois, a ministra Rosa Weber terá um tempo para redigir seu voto para, em seguida, agendar a data do julgamento no plenário do Supremo.

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Carlos Moura/STF Médicos, pesquisado­res e religiosos foram ouvidos durante quase cinco horas

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