Folha de Londrina

Da paróquia à padaria

- LAIS TAINE REPORTAGEM LOCAL

Um padre apaixonado por cafezinhos, pelas boas conversas de cafeteria que remetem a Portugal, sua terra natal, e por sua missão pastoral teve a ideia de deslocar seus atendiment­os da paróquia à padaria mais próxima. Por necessidad­e ou por método de trabalho, a sugestão foi recebida com bons olhos por quem é convidado a acompanhá-lo num café para tratar de assuntos mais profundos.

Não é que os pães já saem abençoados, nem que são distribuíd­os sermões para quem chegar. Há um objetivo maior. “O trabalho do padre, hoje, não é visto mais em torno do altar, do sacramento, da missa. O papa Francisco preconiza que o padre esteja em saída, que vá ao encontro e não espere as pessoas”, explica o padre Manuel Joaquim dos Santos, informando que algumas questões ainda ficam restritas à paróquia. “Uma das coisas que não acontece na padaria é a confissão, por motivos óbvios”, ri com a impossibil­idade.

A situação une o útil ao agradável. A Paróquia Sant’Ana (zona Sul) é pequena e não possui estrutura tradiciona­l para receber a comunidade. Ao mesmo tempo, padre Manuel acredita que o ambiente contribui para a conversa. “Eu poderia improvisar, mas optei por levar a sério a ideia do papa. Normalment­e, as pessoas quando se aproximam de um padre trazem uma carga de preconceit­o, então, talvez, elas venham mais angustiada­s do que quando vão ao médico. Quando esse encontro acontece em um ambiente descontraí­do, elas se desmontam”, afirma.

Talvez as pessoas venham (falar com o padre) mais angustiada­s do que quando vão ao médico. Quando esse encontro acontece em um ambiente descontraí­do, elas se desmontam”

QUEM É O PADRE?

Para esse encontro, as pessoas ligam na secretaria da igreja e são informadas sobre o atendiment­o no Armazém Santa Ana, nas proximidad­es da Paróquia Sant’Ana. Se não houver objeção, o horário é agendado. “80% das pessoas nunca me viram, chegam aqui (na padaria) e perguntam à moça quem é o padre e ficam de longe me observando atender”, descreve. No início da conversa, ele explica ao atendido o motivo de estar fora do gabinete paroquial. “Primeiro, que eu não tenho (gabinete), segundo, que eu já não acredito mais nesse modelo.”

O padre acredita que essa forma o deixa mais próximo daquelas pessoas que não vão à igreja com frequência. “A maioria das pessoas que buscam o sacramento são pessoas afastadas da igreja por vários motivos. Eu quero saber um pouco dessa pessoa, do histórico, por que chegou até mim? Naquele momento, a pessoa encontrou alguém ou uma situação que a ajudou”, afirma. Com isso, faz relação ao pátio dos gentios, última fronteira do espaço do templo de Jerusalém que permitia a entrada de não judeus (veja vídeo).

AGRADAR A TODOS?

O retorno é positivo. Dos cinco anos em que padre Manuel trabalha nesse formato, fazendo, em média, cinco atendiment­os por dia, apenas um pediu para ser atendido na igreja. “Era uma pessoa de tradição na igreja, vida de religião, histórica, então, na cabeça dela, ela já tinha ideia do que iria acontecer no encontro com o padre, e quando chegou na padaria, o efeito foi contrário. Eu remarquei com ela na igreja”, recorda.

No entanto, afirma que o ambiente informal da padaria contribui para uma conversa mais fluida e despretens­iosa. “As pessoas saem convencida­s de que a igreja desceu ao nível de busca e procura e que o ambiente ajudou a dar esse passo”, revela. Assim, considera que a sua função é fazer a ponte nessa busca do absoluto. “As pessoas que vão falar com o padre nem sempre querem hóstia, nem sempre querem confessar um pecado, elas são buscadoras do absoluto, do infinito. O padre é o incentivad­or dessa busca e esse ambiente, a meu ver, é muito mais favorável”, defende.

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Anderson Coelho “O papa Francisco preconiza que o padre esteja em saída, que vá ao encontro e não espere as pessoas”, diz padre Manuel Joaquim, que faz em média cinco atendiment­os por dia em uma padaria da zona sul. Veja vídeo com Realidade Aumentada

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