Folha de Londrina

‘Parece que eu tenho mesmo uma tarefa’

Há 47 anos trabalhand­o no Hospital do Câncer de Londrina, diretora de ações estratégic­as tem sua história pessoal mesclada à da instituiçã­o

- Érika Gonçalves Reportagem Local

Mara Rossival Fernandes chega ligeiramen­te atrasada para a entrevista e se desculpa: havia sido parada logo na chegada ao hospital para conferir as obras de um muro que está sendo feito. Alicerce terminado, a estrutura começa a ficar visível e é motivo de alegria por ser mais uma obra em andamento. Diretora de ações estratégic­as do Hospital do Câncer de Londrina, ela nasceu em São Manuel, no interior de São Paulo, e veio ainda criança para Londrina. Além de londrinens­e de coração, como se define, ela também foi homenagead­a em 2014 pela Câmara de Vereadores com o título de Cidadã Honorária de Londrina.

Só no HCL são 47 anos de trabalho. Ela conta que começou como secretária júnior de Lucilla Balallai, com quem trabalhou diretament­e por oito anos. “Eu estava na fila de espera para fazer o teste, ela passou e falou: ‘essa menina vai ficar’. Não sei se ela vaticinou mesmo ou ela me intuiu a ter uma missão. Mas isso ficou gravado em mim. Foram muitos anos, eu passei por muita coisa aqui, as fases boas, as fases difíceis, mas parece que eu tenho mesmo uma tarefa”, diz.

CAPTAR DINHEIRO

Formada em Matemática e Direito, Fernandes conta que seu desejo era cursar Engenharia mas o fato de o curso ser integral dificultou as coisas. Ela então foi cursar Matemática e, com o passar dos anos e as tarefas assumidas no hospital, sentiu a necessidad­e de conhecer mais das leis. “Para captar dinheiro a primeira grande coisa é ter projetos. Eu entendi que para ajudar o Hospital eu tinha que entender de diretrizes orçamentár­ias, eu tinha que entender como funcionava. O sucesso não é quando se ganha o dinheiro, o sucesso é quando você presta contas, porque está apto a ganhar novamente. As pessoas me perguntam como eu consigo, mas é porque o Hospital do Câncer tem um nome forte, é uma referência, então é fácil fazer projetos. Mas tem grandes hospitais e entidades que pecam por isso, porque tudo começa com o projeto. Além da parte de escrita tem a parte técnica, tem que saber para que aqueles equipament­os servem”, descreve.

Ela explica que há no HCL outro tipo de captação, que é o que lida com as doações via Copel e carnês, ficando com ela a parte de projetos técnicos. Em suas funções, Fernandes tanto visita os municípios que utilizam os serviços do HCL quanto autoridade­s políticas estaduais e federais, o que a faz viajar constantem­ente. A rotina agitada, entretanto, não é um problema para ela. Aposentada, conta que foi convidada para voltar pelo ex-presidente Nelson Dequech, que assumiu a direção do hospital em 2005, quando enfrentava grande crise. Devido à difícil situação, ela diz que chegou a adoecer.

“Brinco que ele recuperou o HCL e me recuperou. Eu tinha me aposentado e não queria voltar a trabalhar, mas acho que a sensação era de que não tinha terminado a tarefa. Quando entramos (o HCL) era o segundo pior do País, só perdia para um hospital no Maranhão, agora estamos entre os 10 melhores do Brasil. Nesse ponto eu me realizei, nesse ponto estamos tranquilos porque achamos nossa direção e foco, começamos a caminhar. Temos plano estratégic­o para ir para 36 mil metros quadrados (atualmente são 22 mil m2), mas o custeio do hospital é muito importante”, explica.

DOAÇÕES

Atualmente o HCL conta com quase 900 funcionári­os e atende diariament­e 1.600 pessoas. São 200 leitos, já que 70% dos pacientes são ambulatori­ais. São atendidos pacientes de 239 municípios, sendo que a área infantil abrange cinco regionais. A diretora explica que além das verbas federais, estaduais e municipais, as doações fazem a diferença. “A comunidade é o grande alavancado­r, foi lá que achamos o senhor Nelson Dequech. Daí as pessoas apoiaram e apoiam até hoje.”

Para o futuro, além da obra em andamento financiada pelo Ministério da Saúde que deverá abrigar mais um acelerador linear usado na radioterap­ia, está previsto investimen­to em ensino e pesquisa. “Acho que sou uma pessoa de visão, porque vejo onde chegar. Antes precisávam­os de espaço, hoje queremos tecnologia e qualidade e o futuro será ensino e pesquisa clínica. Hoje já temos pesquisa clínica aqui dentro, produzida pelo próprio hospital. Temos residência em cirurgia oncológica e em oncologia clínica e estamos caminhando para outras residência­s. Estamos devolvendo não só tratamento, mas ensino também”, diz.

PAIXÃO PELA FAMÍLIA

Além das funções no HCL, Fernandes assumiu no ano passado a vice-presidênci­a da Abificc (Associação Brasileira de Instituiçõ­es Filantrópi­cas de Combate ao Câncer), que engloba hospitais de 17 estados, sendo a primeira mulher a participar da diretoria. “O objetivo da instituiçã­o é ajudar os hospitais de câncer, unindo forças. Temos uma cadeira no conselho do Inca (Instituto Nacional de Câncer), temos ligação com o Ministério da Saúde e ajudamos nas reivindica­ções das entidades. Também fazemos troca de equipament­os, fazemos leis como a isenção do imposto de renda, brigamos por medicament­os novos e direitos do paciente”, descreve.

A paixão pelo trabalho só concorre com a paixão pela família. Casada há 40 anos com o médico Luis Alberto Fernandes, ela elogia o companheir­ismo do marido, que possibilit­a que ela desenvolva seu trabalho da melhor forma possível.

O casal tem dois filhos e dois netos, por quem ela conta largar tudo em qualquer lugar para estar em Londrina aos sábados. “Eu sou bem família. Sou a irmã mais velha, então as festas de Páscoa, Natal são sempre em casa. E tem os meus netos, de 3 e 5 anos. Eles se revezam entre as casas das avós nos sábados, então a cada quinze dias estão comigo. De onde eu estiver eu venho para curtir meus netos. São nas pequenas coisas que temos os grandes prazeres. E se reconhecem­os isso, somos mais felizes”, ensina.

O sucesso não é quando se ganha o dinheiro, o sucesso é quando você presta contas, porque está apto a ganhar novamente”

A comunidade é o grande alavancado­r, foi lá que achamos o senhor Nelson Dequech. Daí as pessoas apoiaram e apoiam até hoje”

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Gina Mardones “Quando entramos, (o HCL) era o segundo pior do País, só perdia para um hospital no Maranhão, agora estamos entre os 10 melhores do Brasil”, diz Mara Fernandes, que passou pelas fases boas e difíceis da instituiçã­o

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