Plano econômico de Maduro entra em vigor com notas com menos cinco zeros
“Bolívar soberano” começa a circular em um cenário de incertezas; para câmara empresarial, plano é “improvisado” e coloca a atividade econômica em “risco severo”
São Paulo - Novos bilhetes do bolívar com menos cinco zeros entraram em circulação nesta segunda-feira (20) na Venezuela, na primeira medida do plano de reformas econômicas do ditador Nicolás Maduro.
Devido às incertezas, muitos comércios fecharam no fim de semana em Caracas e em outras cidades, enquanto os postos de gasolinas se encheram de filas diante de um anunciado aumento nos preços.
Caracas amanheceu paralisada nesta segunda, em um dia declarado feriado por Maduro para a adequação das plataformas bancárias.
A maioria do comércio ficou fechada. Depois de ter ficado suspensas por mais de 12 horas, as transações eletrônicas foram paulatinamente retomadas em estabelecimentos como farmácias e padarias.
Os caixas automáticos começaram a fornecer os novos bilhetes.
“Estamos todos na mesma. Esperando o que vai acontecer”, disse María Sánchez, comerciante.
Maduro sustenta que a emissão dos novos bilhetes será o ponto de partida para uma “grande mudança”. A maior nota será de 500 bolívares (cerca de US$ 7 ou R$ 27).
Na última sexta (17), Maduro anunciou a unificação das taxas de câmbio do país; a nova taxa passa a ser atrelada a uma criptomoeda, que por sua vez é ligada ao preço do petróleo. Com a medida, a moeda do país na prática foi desvalorizada em 96% em relação ao dólar.
Maduro disse que o petro, a criptomoeda criada por ele no início do ano, passa a definir, além do câmbio, também o salário mínimo e as pensões. Um petro vai valer US$ 60 (R$ 235) ou 360 milhões de bolívares.
Outra medida anunciada foi o aumento do salário mínimo em quase 3.500% a partir de 1º de setembro.
Maduro anunciou que o governo cobrirá por um prazo de 90 dias o aumento salarial que pequenas e médias empresas devem fazer.
“O novo salário vai entrar em vigor a partir de 1º de setembro. Aqueles que estão pensando em uma loucura de remarcação de preços, cuidado”, disse Maduro em transmissão ao vivo pelo Facebook.
A Fedecámaras, principal câmara empresarial venezuelana, disse nesta segunda que o plano é “improvisado”, “causa confusão” e coloca a atividade econômica em “risco severo”.
As novas medidas “vão apenas piorar a vida de todos os venezuelanos”, escreveu nas redes sociais o vice-presidente americano, Mike Pence.
Henkel García, diretor da consultoria Econométrica, avaliou que o reajuste dos salários implicará um aumento de moeda em circulação, raiz da hiperinflação.
Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), a inflação na Venezuela este ano será de 1.000.000%. Há dúvidas também sobre como exatamente o petro vai funcionar.
“Se você mantém o déficit e a emissão desordenada de dinheiro, a crise continuará se agravando”, afirmou o economista Jean Paul Leidenz.
O aumento do salário mínimo, por sua vez, deve aumentar o desemprego, segundo economistas.
Jhonny Herrera, 41, dono de uma loja no norte da Venezuela, disse que provavelmente vai demitir dois funcionários, ficando com apenas um. Na época de bonança, ele tinha 10 empregados.
“Já pensei em fechar o negócio e ir embora, agora mais ainda com esses aumentos. Só fiquei por causa do meu filho de 14 anos”, afirmou.
“Vou ter de aumentar os preços. E se eu não vender, a produção cai, e tenho de demitir alguns dos meus funcionários”, disse Luis Carballo, dono de uma padaria em San Cristóbal.
A nova emissão de bilhetes chega 20 meses depois de o governo ter lançado notas de alta denominação, diluídos pela inflação e pela acelerada desvalorização.
A reconversão desta segunda-feira é a segunda em uma década, depois que Hugo Chávez eliminou em 2008 três zeros e surgiu o “bolívar forte”. Agora, surge o “bolívar soberano”.
CRISE REGIONAL
A aplicação do programa de Maduro coincide com graves tensões migratórias e o êxodo em massa de venezuelanos. A ONU avalia que 2,3 milhões de venezuelanos imigraram para fugir da crise.
O Brasil enviará tropas a sua fronteira depois que, em reação ao assalto de cidadãos venezuelanos, os moradores da cidade Pacaraima, na fronteira, queimaram no sábado os acampamentos de imigrantes venezuelanos, que chegaram em massa no último ano a Roraima.
O Equador começou no sábado a bloquear a passagem de venezuelanos em suas fronteiras, exigindo passaporte invés de carteiras de identidade.
O Peru adotou medida similar e, em função disso, a Colômbia teme que milhares de venezuelanos tentem entrar em seu território.
Ante o aumento das tensões, o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, pediu para que se “mantenha as portas abertas ao povo da Venezuela, vítima da pior crise humanitária que o continente já viu”.
PROTESTOS
Em protesto pelo plano econômico de Maduro, três dos principais partidos de oposição convocaram uma greve de 24 horas para esta terça-feira.
Manifestações por direitos trabalhistas, contra a falta de alimentos e medicamentos e as falhas de serviços como água e luz se multiplicam, com uma oposição dividida e fragilizada.
O setor privado, além disso, trabalha apenas a 30% de sua capacidade devido ao colapso da economia, enquanto o governo exerce um férreo controle sobre o funcionalismo público.