Fake News e Democracia
Antes mesmo de checadas, as fake news são aceitas e repassadas como verdades
Jean Wyllys será diretor de filme que traz Jesus como homossexual, Pabllo Vittar fará programa infantil com patrocínio da Lei Rouanet, a ingestão de açúcar após o consumo de vinho impede bafômetro de identificar uso de bebida alcoólica. Pastor joga fiel ao chão para curá-la de problemas na coluna, mas a deixa tetraplégica.
Esses são exemplos de notícias falsas, as chamadas fake News. Todas foram veiculadas em mídias sociais e enganaram muita gente. Geraram debates desnecessários e ofensivos entre seus destinatários.
Mentiras e boatos não é algo recente em sociedade. Mas é certo que as fake news ganharam dimensões amplas com as redes sociais e canais como WhatsApp.
Vários fatores contribuem para as fake news. O primeiro está no fato das mídias sociais serem movimentadas a partir dos números de visualizações, seguidores, curtidas e compartilhamentos. Assim, chamar a atenção para novidades sensacionalistas e apelos emocionais faz toda diferença. Segundo, porque há adesão fácil por parte de muita gente. Antes mesmo de checadas, as fake news são aceitas e repassadas como verdades.
Inicialmente, acreditava-se que esses boatos estavam restritos à vida privada de celebridades. Seu alcance é mais amplo, porém. Além de movimentar mídias sociais, as notícias falsas tem revelado elevado potencial para direcionar resultados de eleições em prol de determinados grupos políticos e econômicos. Ou seja, tem reflexos na democracia.
E o cenário só tem se sofisticado. Hoje está superada a fase de apenas de enfatizar qualidades de alguns candidatos e pontos fracos de outros. O episódio envolvendo a Cambridge Analytica (CA) e o Facebook é prova disso. Após a captação nebulosa de dados de milhões de usuários de referida rede social, houve um trabalho articulado de marketing digital em prol de Trump à presidência dos EUA, cujo efeito foi decisivo no resultado das eleições.
Note-se: não houve apenas notícias falsas. A “informação” foi forjada com base nos dados dos usuários; em seus valores, crenças, tendências ideológicas para, adiante, ser dirigida principalmente a quem estava em dúvida sobre em quem votar, daí sua eficácia.
Algo similar ocorreu no plebiscito para a saída do Reino Unido da União Europeia em 2016. Apurou-se que, não fosse o vazamento de dados dos usuários do Facebook, o desfecho seria a permanência do Reino Unido.
Como se não bastasse tudo isso, hoje já se fala em deep fake news (falsificação profunda de notícias). Com o avanço tecnológico, algoritmos combinados com softwares de mapeamentos faciais e captação do timbre da voz de determinada pessoa, permitem a criação de imagens, com voz, rosto e corpo dessa pessoa, realizando movimentos ou dizendo algo conforme a conveniência de quem manipula o equipamento. Exemplos disso são vídeos falsos de conteúdo sexual das atrizes Gal Gadot e Emma Watson. Em consequência, a máxima uma imagem vale mais do que mil palavras, nos dias atuais, perde força.
Diante deste cenário, o que se pode fazer para evitar reflexos deletérios no processo eleitoral que tem no voto um pilar da democracia?
Pois bem. A mentira não pode ser eliminada. No entanto, ninguém está obrigado a acreditar nela. Isto remete a uma passagem do filme Prenda-me se For Capaz (Catch Me If You Can), baseado na história real do golpista mais famoso dos EUA, Frank Abagnale Jr. No filme, após a prisão, o agente do FBI (Tom Hanks) pergunta a Frank (Leonardo Dicaprio) como ele conseguiu enganar tanta gente. A resposta foi simples: “Eu só falava. As pessoas é que acreditavam”.