Folha de Londrina

CAMPO EM DEBATE

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Preservaçã­o do meio ambiente começa pela manutenção das florestas em pé

Era bem criança ainda e achava linda a colheita do algodão: tudo branquinho, branquinho, o sol quente, as pessoas “catando algodão” com lenços e chapéus, as mulheres usando calças compridas sob as saias, para proteção. A colheita do algodão era esperada por muita gente para ganhar um dinheirinh­o extra naquela cidade sem opção de trabalho.

De manhãzinha saía o caminhão lotado de gente, muitas mulheres e até crianças aproveitan­do o tempo bom da colheita. Até me arrisquei a ir para o algodoal numa chácara perto de casa com minhas irmãs porque achava lindo trabalhar na roça, e, mais lindo ainda, apanhar algodão.

Lembro-me das fileiras de pés de algodão com suas maçãs branquinha­s, prontas para serem colhidas, alguns ainda com flores bonitas, as pessoas usando latas ou cestos para encherem os fardos e, no final do dia, pesar e calcular seu ganho.

Alguns recebiam por quilo, os mais experiente­s, como meus primos, por exemplo, por arroba apanhada. Que admiração eu sentia por eles! O algodão era pesado ali mesmo, na roça, e eu aprendi o que significav­a uma arroba, sem nunca ter conseguido colher tantos quilos desse produto tão leve. Mas foram apenas umas poucas experiênci­as, fogo de palha, como se costumava dizer.

Um acontecime­nto, porém,

Um acontecime­nto, porém, marcou profundame­nte a minha relação com a vida e com a morte, envolvendo uma tulha cheia de algodão em tempo de colheita”

marcou profundame­nte a minha relação com a vida e com a morte, envolvendo uma tulha cheia de algodão em tempo de colheita.

Havia uma mocinha linda, olhos verdes em um rosto delicado, fala doce, gestos educados, jeito de gente grande no auge dos seus quinze anos. Gostava de vêla conversar, de vê-la passar em frente à minha casa com sua sombrinha colorida protegendo a pele branca e bonita. Morava no sítio e, na época, namorava um moço que que vinha de longe, sozinho, para trabalhar. E como numa letra de música, o amor dos dois não era bem visto, talvez pelo fato de ela ser ainda uma mocinha.

E numa manhã de colheita de algodão, uma tragédia passional abalou a cidade. A mocinha linda, de olhos verdes e rosto delicado, traços angélicos e voz suave havia sido morta pelo namorado. A cidade toda, em grande comoção, dirigiu-se ao sítio. Uma imagem triste marcou, então, a minha admiração pelo algodão: na tulha branquinha, fofa como as nuvens do céu em dia claro, brotava uma grande ferida vermelha. Em meio ao tumulto da cidade, às lágrimas, aos comentário­s e à tristeza que se abateu, eu só conseguia pensar numa pessoa tão doce, tão linda, aquela face de pérola, delicadame­nte enfeitada por olhos claros, voz suave, criando asas e passeando sobre as nuvens, tão semelhante­s aos flocos de algodão. E foi dali que, naquele dia, a menina foi morar no céu.

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