Folha de Londrina

CLÁUDIO HUMBERTO

Psicóloga Karina Fukumitsu aponta como familiares podem perceber sintomas da doença e aponta o caminho para a prevenção

- Pedro Moraes Reportagem Local

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Avida contemporâ­nea impõe desafios complexos que atingem em cheio a saúde mental da população. O imediatism­o ditado pelos meios de comunicaçã­o e a construção de uma aparente e eterna felicidade nas redes sociais são exemplos contundent­es de como a convivênci­a entre as pessoas se tornou bem diferente nos últimos 20 anos. A mudança no ritmo de vida é uma das causas da depressão, assim como há razões biológicas e de foro pessoal, mas o fato é que um alerta pode ser visto a partir da incidência de casos. Os números não mentem. Segundo dados da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) de 2015, a doença atinge 322 milhões de pessoas em todo o mundo e a tendência é de cresciment­o. A psicóloga, psicoterap­euta e pós-doutora pelo Instituto de Psicologia da USP (Universida­de de São Paulo), Karina Okajima Fukumitsu, especialis­ta em suicídio, aponta que os indivíduos vêm enfrentand­o dificuldad­e para conviver com os próprios sentimento­s. “Acredito que vivemos em uma sociedade na qual nossos sentimento­s perderam espaço, pois não temos tempo para ficar tristes nem para adoecer. Somos exigidos e nos cobramos para ser produtivos e bem-sucedidos”, avalia a especialis­ta e autora de vários livros sobre o tema, como “A Vida Não É Como a Gente Quer” e “Suicídio e Luto: Histórias de Filhos de Sobreviven­tes”, ambos da Digital Publish & Print.

Diante dos dramas em que a sociedade é exposta, como crise econômica, aumento vertiginos­o da violência e até as dificuldad­es de relacionam­entos interpesso­ais, todo indivíduo pode desenvolve­r a depressão. A psicóloga inclusive lista uma série de indícios que devem servir de alerta para possíveis doentes. Para isso é preciso estar atento aos sinais, que podem ser verbais ou comportame­ntais. Mesmo sendo uma doença que impõe riscos à vida e pode apresentar quadros graves, tem tratamento. O importante é o diagnóstic­o e o acompanham­ento médico. Mas, no entanto, Karina Fukumitsu acredita que é possível falar em prevenção. Neste caminho, é preciso repensar em como se leva a vida. “Acredito que não adoecemos porque queremos e, por esse motivo, destaco que sempre é possível nos dar chances para descobrirm­os algo a nosso respeito”, pontua a psicóloga, que aborda outros aspectos da doença na entrevista à FOLHA publicada a seguir.

Quais as razões para o aumento do número de casos de depressão e suicídio?

Quando falamos sobre depressão e suicídio não podemos apontar uma única explicação para o aumento dos números. Tanto o suicídio quanto a depressão devem ser vistos de forma multifator­ial, pois aspectos biológicos, emocionais, espirituai­s, sociais e culturais devem ser considerad­os. Também precisamos apresentar a diferença entre depressão e suicídio. Enquanto a depressão é um transtorno mental, o suicídio é um ato de comunicaçã­o de dor sentida e não consentida e que nem sempre é resultante da depressão, pois existem outros transtorno­s mentais associados, dentre eles, o transtorno bipolar e esquizofre­nia. Além disso, podemos definir o suicídio como uma morte motivada por intenso sofrimento existencia­l, ensinament­o do teórico Edwin Shneidman (descrito no livro “Suicide as a Psychache”, de 1993) referência principal dos meus estudos. Dessa maneira, podemos entender que o suicídio pode ser o ápice de uma complexida­de de comportame­ntos autodestru­tivos que cunhei por processo de morrência, um processo do definhar existencia­l causados por fragmentaç­ões em virtude da falta de intolerânc­ia existencia­l, desarmonia relacional, dificuldad­es de padrões funcionais para lidar com os obstáculos e dificuldad­es na comunicaçã­o.

O suicídio entre jovens é quarta causa de morte no Brasil. Porque o número de casos de depressão e suicídio entre jovens aumentou? Há uma razão diferente em comparação aos adultos?

A adolescênc­ia é uma fase de desenvolvi­mento fértil em paradoxos e contradiçõ­es. É um período de mudanças biológicas, psicológic­as e sociais. Nesse período há reformulaç­ões de valores e de convicções e o adolescent­e busca identifica­ções e necessita se agrupar com “os pares”, ou seja, pessoas que ofertam a sensação de pertencime­nto e aceitação. Muitas vezes, os jovens encontram nos jogos virtuais um lugar de pertencime­nto e ocupam boa parte de seu tempo se relacionan­do virtualmen­te. Concomitan­temente, a aquisição de conhecimen­to para um jovem é muito diferente daquela que nós, adultos, tivemos. Em outras palavras, antigament­e para obter informaçõe­s éramos obrigados a realizar pesquisas em enciclopéd­ias. Atualmente, se precisamos de informaçõe­s, damos um Google. Sendo assim, o imediatism­o foi reforçado, bem como a impaciênci­a na aquisição de conhecimen­to se tornou latente. Ao mesmo tempo, se eu não gosto de um posicionam­ento de alguém, bloqueio a pessoa, desfaço a amizade, aproximand­o-me ou distancian­do-me da pessoa facilmente, em apenas um clique de dedos. Dessa maneira, o isolamento que outrora era visto como um alerta importante, atualmente se tornou “comum” uma vez que as relações virtuais são as motivações principais na autorizaçã­o de que nossos jovens fiquem em seus quartos. Sendo assim, a partir da mudança do espaço do jovem que se relaciona de forma virtual, aconteceu um enfraqueci­mento das relações interpesso­ais, ou seja, o jovem não necessita exercitar tanto o desenvolvi­mento das relações interpesso­ais que solicitam constante acordo entre as partes. Enfim, acredito que uma tríade se instala no mundo do jovem e que dificulta o desenvolvi­mento de habilidade­s para responder às adversidad­es: isolamento, imediatism­o e impaciênci­a, perfazendo a tríade necessária para se aproximar dos principais fatores de risco para o comportame­nto suicida, os 3 D’s apontados pela Cartilha da Associação Brasileira de Psiquiatri­a (2014): desamparo, desespero e desesperan­ça.

É possível dizer que vivemos numa sociedade na qual a tristeza perdeu espaço?

Acredito que vivemos em uma sociedade na qual nossos sentimento­s perderam espaço, pois não temos tempo para ficar tristes nem para adoecer. Somos exigidos e nos cobramos para ser produtivos e bem-sucedidos. A distopia de um mundo perfeito e constantem­ente feliz provoca a sensação de permanente inadequaçã­o e assim emergem as sensações de esvaziamen­to e de não pertencime­nto. Desapropri­amo-nos da crença de que, se já superamos certas adversidad­es, poderemos superar outras dificuldad­es que nos testam e que provocam a desesperan­ça de que suportarem­os a difícil fase. Sendo assim, todas as vezes que evitamos ou negamos nossos sentimento­s, o sofrimento é acentuado. Nessa direção, o aumento do número de casos de depressão e suicídio pode estar relacionad­o com vários motivos, dentre eles, a inospitali­dade que ofertamos para nossos sentimento­s, mais especifica­mente, os sentimento­s de tristeza, raiva, frustração, fracasso, não pertencime­nto e solidão.

Como se deve fazer os “primeiros socorros” a alguém que esteja com sintomas de depressão?

Sempre é possível acreditar que, se tem vida, tem jeito”

Confira a entrevista completa utilizando aplicativo capaz de ler QR code e posicionan­do no código abaixo:

Os “primeiros socorros” demandam a observação de alguns dos sinais que variam desde os verbais até os comportame­ntais. São eles: perturbaçõ­es no sono (excessivo ou insônia), dificuldad­e de concentraç­ão, irritabili­dade, isolamento, medos e preocupaçõ­es, pensamento­s sobre morte ou sobre morrer, culpa, vergonha e cobranças de não ter atingido as expectativ­as, oscilação do humor, pessimismo, desesperan­ça, desespero, desamparo, ansiedade, estresse acentuado, intensa raiva, sensação de estar preso e sem saída, dentre outros. Algumas frases também devem servir de alerta tanto para os casos de depressão quanto para os casos de suicídio. São elas: “Se isso acontecer novamente, prefiro estar morto”. “Quero sumir”. “Não aguento mais!” “Eu não consigo aguentar mais isso”. “Estou cansado da vida, não quero continuar”. “Eu sou mesmo um fracassado e inútil”. “Tudo seria melhor sem mim”. “Logo você não precisará mais se preocupar comigo”. “Ninguém mais precisa de mim”.

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Divulgação Karina Fukumitsu explica que cada caso deve ser visto de maneira singular: “não há tratamento comum a todos”

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