Rada bélica
M cartaz no mundo incapaz gem militar
boca destroçada e quase sem voz e se torna morfinômano. Para um artista ilustrador como ele, de gosto requintado - é filho de família abastada e vive em conflito com o pai - é uma catástrofe.
Na Paris dos loucos anos 20, enquanto Pradelle ganha fortunas explorando as famílias dos que perderam a vida na guerra, Albert e Edouard, condenados a viver no rescaldo do conflito, juntos vão planejar seu próprio esquema de proporções monumentais. Literalmente. Os dois amigos, com a cumplicidade de uma menina órfã, constroem um golpe em torno do design de supostos monumentos patrióticos para honrar os mortos pela pátria. E mais adiante, o oficial perverso que tornou a vida nas trincheiras ainda mais impossível vai por acaso cruzar novamente o caminho de Albert e Edouard.
A adaptação do livro de Lemaitre (ainda não editado no Brasil) foi posteriormente adaptada à HQ, o que deve ter influído para a excelência da concepção visual do filme, desde as cenas bélicas do início, com um perfeito desenho das trincheiras, até a Paris dos anos 20, os desenhos e máscaras do protagonista Edouard, a cuidadosa construção dos planos.
Surpreende o tom do filme, de difícil definição e que consegue um raro e habilidoso equilíbrio. De entrada temos o problema dos veteranos de guerra e suas sequela. Depois o conflito entre pai e filho. A troca de identidade no contexto da grande guerra. E o personagem com máscara, corroído pelo rancor, nos conduz à novela gótica, ou a histórias como “O Fantasma da Ópera”. E logo temos o questionamento do patriotismo diante de uma guerra de duvidosa justificativa, onde a homenagem aos mortos por parte de uns e outros está contaminada pelo cinismo.
Com esses elementos, Albert Dupontel armou uma narração muito mais que interessante e realiza, já a partir do prólogo, uma crítica antibélica travestida de fábula na qual estão carregadas as tintas contra o sem sentido das guerras, contra o Estado e a sociedade que homenageiam os mortos enquanto se esquecem os vivos. “Nos Vemos no Paraíso”, que é um interminável prazer visual, utiliza de outra arma letal contra o status quo da insanidade do poder: o humor surrealista, movendo-se entre fantasia e realidade. É uma espécie de revanche contra um mundo que ainda hoje é incapaz de frear a corrupta engrenagem militar.