Folha de Londrina

Debate público permanente­mente suspenso no Brasil é sintoma de uma democracia de gabinete

ONG defende que seja estabeleci­do um mecanismo externo e independen­te para acompanham­ento do trabalho policial

- Roberta Pennafort

Rio - No dia em que se completam oito meses do assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, a Anistia Internacio­nal afirmou que as investigaç­ões da polícia se encontram num “labirinto”, uma vez que não há informaçõe­s fechadas ainda sobre o(s) mandante(s) e a motivação do crime, o(s) executor(es) e a arma e o carro usados pelos assassinos. A ONG defende que seja estabeleci­do um mecanismo externo e independen­te para acompanham­ento do trabalho policial, de modo a aferir se não está havendo interferên­cia indevida - o crime teve motivação política, segundo aponta a apuração.

A Anistia fez um levantamen­to sobre as poucas informaçõe­s já divulgadas (o caso corre em sigilo total pela área da segurança do Estado, sob intervençã­o federal desde fevereiro) e apontou todas as perguntas ainda sem respostas; por exemplo: qual foi a origem da arma e da munição utilizadas, por que não foram feitos exames de raio-X nos corpos, qual foi o trajeto dos assassinos na noite do crime.

O documento foi divulgado nesta quarta-feira (14), com a presença dos pais de Marielle, Marinete e Antonio Silva. Marinete disse esperar que não haja prejuízo para as investigaç­ões com a troca de governo e mudanças na polícia a partir de janeiro de 2019. “Já deram várias versões, disseram que o caso estava caminhando. Tanto o (ministro da Segurança Pública) Raul Jungmann quanto (o secretário de Segurança, general) Richard Nunes disseram que estava praticamen­te resolvido, e não estamos vendo isso. Cada vez que sai uma notícia que tem um avanço e está chegando perto, a gente não tem nada de concreto. Temos que aguardar mesmo e ver o que acontece até o fim do ano”, afirmou Marinete. “A impressão que tenho é que estamos enxugando gelo. Todo mês são as mesmas perguntas sem respostas”, disse o pai da vereadora.

Em setembro, o deputado Marcelo Freixo (PSOL), que era amigo de Marielle e trabalhara dez anos com ela na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativ­a do Rio, ouviu da polícia que o crime estava perto da elucidação. Poucos dias depois, o secretário da Segurança afirmou que ele poderia não ser desvendado até o fim da intervençã­o, dia 31 de dezembro.

No último dia 1º, Jungmann anunciou que a Polícia Federal está investigan­do se a condução da investigaç­ão pela Delegacia de Homicídios da Polícia Civil do Rio está sofrendo ingerência externa (os agentes federais não irão entrar na apuração do crime em si, ele ressalvou). Isso porque há a suspeita de que agentes do Estado, políticos ou policiais, podem estar atrapalhan­do o trabalho, para acobertar comparsas - uma das hipóteses é a participaç­ão de integrante­s de uma milícia, com ligação com a polícia.

A coordenado­ra de pesquisa da Anistia, Renata Neder, disse que não há sinalizaçã­o de que o conclusão se dê até o fim de dezembro. “Afinal, qual é o andamento da investigaç­ão? As autoridade­s precisam se responsabi­lizar diante desse quadro de incongruên­cia e de perguntas sem resposta. Sem pressão não tem solução”, afirmou, lembrando que Marielle era defensora dos direitos humanos e vereadora eleita no Rio, segunda maior cidade do País, e que sua execução foi um ataque às instituiçõ­es democrátic­as.

“A Anistia vem a publico reiterar sua posição de que é urgente um mecanismo externo e independen­te para monitorar essas investigaç­ões, com peritos, juristas e especialis­tas em investigaç­ão criminal. Eles deveriam poder se debruçar sobre as investigaç­ões para verificar se o devido processo está sendo seguido, se todas as linhas estão sendo exploradas, se está havendo negligênci­a, interferên­cia externa indevida. A Anistia desde o início alertou para o risco desse caso ficar sem solução”, pontuou.

Defensora dos direitos de moradores de favelas, negros, mulheres e da população LGBT, Marielle levou quatro tiros na cabeça dentro de seu carro na noite de 14 de março. Ela e seu motorista saíam de um evento no Estácio, região central do Rio, quando foram executados. Foi noticiado que as câmeras de segurança da Prefeitura do ponto exato onde ocorreu o crime haviam sido desligadas, mas não houve maiores esclarecim­entos.

A impressão que tenho é que estamos enxugando gelo. Todo mês são as mesmas perguntas sem respostas”

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José Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo Documento foi divulgado na presença dos pais de Marielle, Antonio e Marinete Silva

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