Folha de Londrina

MAIS MÉDICOS

Profission­al do Mais Médicos atuava na unidade de saúde da reserva Apucaranin­ha; 332 médicos terão que ser repostos em áreas indígenas em todo o País

- Viviani Costa Reportagem Local

Mais de 300 profission­ais terão que ser repostos em áreas indígenas em todo o País

“Omédico atende a gente bem. Não falta nenhum dia. Antigament­e aqui era muito precário. A gente gosta muito dele e ele deveria ficar aqui para sempre. Nosso direito à saúde indígena está na Constituiç­ão Federal, mas antigament­e era tudo muito precário”, desabafa o professor Rafael de Almeida, morador da reserva indígena Apucaranin­ha, em Tamarana (Região Metropolit­ana de Londrina).

A reserva indígena é composta por quatro aldeias: Água Branca, Apucaranin­ha, Barreiro e Serrinha. No local vivem, aproximada­mente, 1.800 pessoas. Há cinco anos, a população contava com apenas um médico da Secretaria de Saúde de Londrina que realizava os atendiment­os uma vez por semana. Após a chegada do profission­al cubano, por meio do programa Mais Médicos, as consultas passaram a ser realizadas diariament­e.

“No começo, a gente se entendia pouco com o cubano, mas o trabalho dele é diferente. Era todo o dia. Quando a coisa era grave, ele encaminhav­a rápido para Tamarana ou Londrina. Se ele sair, vai piorar muito nossa saúde”, lamenta o indígena.

O médico cubano interrompe­u os atendiment­os na última quinta-feira (22), com a expectativ­a de um dia retomar os trabalhos. O profission­al preferiu não conceder entrevista. Durante o período em que esteve na aldeia Apucaranin­ha, o interesse pelos pacientes fez com que o cubano cursasse especializ­ação na área de saúde indígena para compreende­r melhor a cultura local.

“Vai ficar difícil... Para todo mundo vai ser difícil. Todo mundo está apavorado. A gente fica chateado. Ele é muito bom”, reforça a dona de casa Elisa Marcolino, paciente da unidade de saúde. A população agora passa a contar apenas com o apoio da Secretaria de Saúde de Londrina que mantém o expediente na aldeia, uma vez na semana, do médico contratado pelo município.

Cuba decidiu encerrar a participaç­ão dos profission­ais no programa do governo federal após declaraçõe­s do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e o anúncio de possíveis alterações nos termos de cooperação do Mais Médicos. O primeiro grupo de profission­ais estrangeir­os deixou o Brasil na quinta-feira (22) rumo a Havana. O novo edital do programa prevê a contrataçã­o de 8.517 médicos para 2.824 municípios e 34 DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas).

A intenção do governo federal é preencher todas as vagas deixadas pelos cubanos. No novo edital publicado no Diário Oficial da União, há quatro vagas disponívei­s no Paraná específica­s para a área de saúde indígena. Os profission­ais vão atuar nos municípios de Tamarana, Ortigueira, Guaíra e Manuel Ribas. A assessoria do Ministério da Saúde não informou quantos médicos brasileiro­s ou de outras nacionalid­ades vão manter os atendiment­os nos 34 distritos indígenas espalhados pelo Brasil.

Para o antropólog­o Mauro Leno, a substituiç­ão dos médicos nas reservas indígenas não será tão simples como anunciada pelo governo federal. “A nível nacional, de 327 médicos servidores da Sesai , 301 são cubanos e estão saindo. Vão ficar 26 para atender 1 milhão de pessoas da população indígena. Os Estados mais afetados são Amazonas e Acre. O que acontece é que as comunidade­s indígenas sempre foram desassisti­das, principalm­ente pelos médicos. Algumas políticas públicas faziam com que chegassem enfermeiro­s e outros atendentes de saúde, mas médicos, efetivamen­te, pelo nosso sistema de formação dos cursos de medicina, não se aventuram em atender, por exemplo, em Nonoai, no Rio Grande do Sul, onde eu morei, que é uma cidade de 5.000 habitantes e que atende indígenas. Existe uma dificuldad­e muito grande de suprimento de profission­ais nesses rincões”, afirma.

Leno atua como servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio) há seis anos e teme prejuízos no acesso à saúde. Segundo ele, a concentraç­ão dos profission­ais nos municípios maiores e com mais infraestru­tura e o acesso ainda elitizado aos cursos de medicina estão entre os fatores que compromete­m a distribuiç­ão dos médicos no País.

“O temor é que os indígenas fiquem mesmo órfãos. Eu tenho certeza de que a gente não vai preencher as vagas para atender essa população. Isso que nós estamos falando de cidades do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que tem uma boa estrutura urbana. Imagina a gente falando da Ama- zônia. Mesmo que sejam feitos novos editais, os médicos brasileiro­s não vão suprir essas vagas”, acredita.

VAGAS OCIOSAS

Ao todo, 458 vagas são ofertadas no Paraná por meio do programa Mais Médicos. De acordo com a Sesa (Secretaria de Estado da Saúde), parte dos profission­ais já deixou de atender a população no Estado. Aos poucos, os médicos cubanos também encerram os trabalhos em Londrina. Porém, a orientação geral é para que eles mantenham os atendiment­os até três dias antes da data prevista para o retorno a Cuba.

De acordo com a assessora técnica da Diretoria de Atenção Primária da Secretaria Municipal de Saúde, Daniela Carvalho Gomes, dois médicos já retornaram ao país de origem. Outros sete profission­ais devem viajar no dia 30 de novembro. A última médica do programa a deixar a cidade está com viagem programada para o dia 3 de dezembro.

Conforme Gomes, no caso de Londrina, as vagas ociosas devem ser preenchida­s rapidament­e. “O Ministério da Saúde já lançou o edital de reposição. Também já fizemos o chamamento de novos médicos que serão contratado­s pelo município e esses profission­ais já começaram a se apresentar. Eles devem ser encaminhad­os para esses locais de onde saíram os profission­ais do Mais Médicos. Todas as vagas serão repostas ou pelo governo federal ou por esse chamamento”, explica.

INSCRIÇÕES

Mais de 97,2% das vagas ofertadas no Mais Médicos já haviam sido preenchida­s até segunda-feira (26), segundo informou o Ministério da Saúde. Porém, apenas 200 médicos se apresentar­am nas unidades básicas de saúde. Os interessad­os podem se inscrever até o dia 7 de dezembro. O profission­al deve se apresentar no município até 14 de dezembro e entregar toda a documentaç­ão exigida para dar início aos atendiment­os. Novos editais devem ser abertos para médicos estrangeir­os e brasileiro­s formados no exterior.

Existe uma dificuldad­e muito grande de suprimento de profission­ais nesses rincões”

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Celso Pacheco/25-1-2008 Reserva indígena é composta por quatro aldeias: Água Branca, Apucaranin­ha, Barreiro e Serrinha

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