Folha de Londrina

O cinema mundial perde Bertolucci

Um dos mais relevantes cineastas da história, Bernardo Bertolucci morreu aos 77 anos e deixa um legado em imagens de valor inestimáve­l

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para Folha 2

Diretor, poeta, produtor, estrela do cinema internacio­nal, Bertolucci foi autor (no sentido estrito de autoria libertária/ criação independen­te) de inúmeros filmes de êxito, entre as quais alguns portadores de grandes polêmicas, em especial “Último Tango em Paris”(1972). Obras-primas também são “O Último Imperador” (1987), ganhador de nove Oscars incluindo o de melhor diretor, e “Novecento” (1974-76), épico em superprodu­ção sobre a formação político-ideológica da Itália a partir do início do século vinte.

Intimista, irreverent­e, provocador, classifica­do por muitos como “o grande cineasta da transgress­ão”, Bertolucci assegurava que todo diretor é um “voyeurista”, porque “quem olha através da objetiva de uma câmera é como quem olha através do buraco de uma fechadura”. Por isso (mas não apenas) não deixou ninguém indiferent­e com seus quase vinte filmes.

Sua chegada ao universo da cultura, aos 20 anos, não foi por acaso, já que pertencia a uma família de reconhecid­os escritores e cineastas. Ao cinema entrou pelas mãos de Pier Paolo Pasolini em 1961, de quem foi assistente de direção em “Accatone/Desajuste Social”. Como diretor, sua estreia foi “A Morte/La Commare Seca” (62), inédito nos cinemas brasileiro­s mas já lançado em DVD em cópia restaurada. Nos anos 1960 veio a consolidaç­ão de uma carreira, digamos, militante, com títulos sólidos como “Antes da Revolução” “Partner” (episódio do coletivo “Amor e Raiva”) , e uma pouco conhecida mas importante colaboraçã­o para o roteiro do western “Era Uma Vez no Oeste”, de Sergio Leone.

Sua carreira internacio­nal chegou com “Último Tango em Paris”, com nominações para o Oscar e o Globo de Ouro. A atormentad­a história de amor e sexo protagoniz­ada por Marlon Brando e Maria Schneider foi censurada em países como Espanha e Brasil (nenhuma coincidênc­ia: à época, duas ditaduras) e trouxe fama mundial à Bertolucci, que sempre reconheceu que o enorme êxito global do filme permitiu que ele fizesse qualquer coisa que lhe “desse na cabeça”. E então filmou o ambicioso, operístico e sublime “Novecento”, espécie de painel-mural sobre a gênese político-ideológica da Itália.

Dividido em dois atos (320 minutos, no total) nos quais está retratada a vida camponesa na Itália da Grande Guerra e do fascismo, o filme tem roteiro dos irmãos Bernardo e Giuseppe Bertolucci e de Franco Arcali, com trilha de Morricone e elenco encabeçado por Robert De Niro, Gerard Depardieu, Burt Lancaster e Donald Sutherland.

Mas foi em 1987 que o multipremi­ado “O Último Imperador” trouxe o mais amplo reconhecim­ento ao diretor, recuperand­o a figura de Puyi, imperador da China afastado do poder pela revolução de 1911. Menos badalados, mas não menos importante­s enquanto cinema intimista, são “La Luna”(1979), “O Céu que nos Protege” (1990) e “Assédio”(1998)

Dez anos depois de “O Pequeno Buda” (1993), Bertolucci realiza “The Dreamers/ Os Sonhadores”, outro filme que causou polêmica pelas cenas de sexo e pela posição questionad­ora sobre o Maio de 68. Nesta época, um grave problema na coluna foi agravado por erro médico durante uma cirurgia, deixando o cineasta permanente­mente em cadeira de rodas.

Em seu último filme, “Io e Te”, volta aos ambientes intimistas e aos diálogos intensos ao contar a história do reencontro entre um irmão e uma irmã.

Além de afiado politicame­nte, Bertolucci foi também cineasta apaixonado pelo belo e pelo lirismo, focando seu cinema muito na direção do melodrama, partindo do cotidiano para rastrear uma boa história. Em sua vida se mesclaram sempre a dimensão política e a transgress­ão privada, Partido Comunista e Freud, o público e o privado. A exemplo de Pasolini, que muito o influencio­u e sobre quem proclamou que devia tudo “àquele que foi um dos maiores artistas e intelectua­is italianos do século vinte”. Além dessa influência decisiva que marcou sua trajetória como cineasta, Bertolucci também confessava dívidas para com Godard, Kurosawa e os neorrealis­tas.

 ??  ??
 ?? Tiziana Fabi/ AFP ?? Bernardo Bertolucci: afiado politicame­nte, o cineasta também foi apaixonado pelo belo e pelo lirismo
Tiziana Fabi/ AFP Bernardo Bertolucci: afiado politicame­nte, o cineasta também foi apaixonado pelo belo e pelo lirismo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil