Um filme que não é só um documentário
“Isto (não) é um assalto” (2018), filme com roteiro e direção de Rodrigo Grota que está em cartaz na cidade, surpreende do começo ao fim, desde aqueles que desconhecem até os que participaram da história. Trata de retratar em 100 empolgantes minutos várias perspectivas do assalto ao banco Banestado que surpreendeu Londrina e o país em 10 de dezembro de 1987, no 53º aniversário da cidade.
Empolga o público londrinense pela familiaridade da ambientação, desde a revisão de uma Londrina rica com a emergência do café, sob a acurada pesquisa de Roberta Takamatsu, até a Londrina dos anos 80 pós-café, que está inevitavelmente impressa na memória coletiva dos londrinenses com mais de 30; empolga pela irreparável produção da Kinopus que trilha já os sendeiros de uma tradição cinematográfica na cidade, sem nada a dever aos eixos culturais hegemônicos do país. Empolga, enfim, o público geral, por retratar de forma criativa e inusitada questões presentes no nosso imaginário desde as mais conhecidas narrativas medievais, como a que comumente atualizamos por síndrome de Robin Hood, essa insurgência de representantes de uma multidão oprimida por um sistema perverso que, à margem da lei, atua por uma justiça paralela e subjuga, ainda que momentaneamente, o opressor.
Naquele dezembro de 1987, sete cidadãos alheios ao métier da criminalidade, invadem a abarrotada agência do Banestado no Calçadão de Londrina e rendem todos, às centenas. Dada a exigência da vultuosa quantia de 30 milhões de cruzados, passam-se 24 horas entre negociações e fuga atabalhoada, marcadas pelo improviso e por insólitas soluções de ambos os lados, com direito a atos heroicos, romance, distribuição do espólio criminal, tudo digno da melhor ficção, como se disso tratasse.
Por tudo isso, o documentário, sob o criativo e sensível olhar do jovem diretor Rodrigo Grota, que já colecionava prêmios com a “Trilogia do Esquecimento” (2007-2010) e “Leste-Oeste” (2016), tem ares de ficção, ao superar uma narrativa documental com soluções estéticas inesperadas, como uma sonoplastia da significação a envolver o espectador que, mais do que informar-se, frui o narrado; uma proposta de isenção da câmera em favor de uma incrível naturalidade daqueles que, em lugar de depoentes ou entrevistados sob o jugo da inquirição, constituem-se personagens de uma narrativa que lhes é própria; um jogo de equilíbrio nos cortes de cena que sutilmente conduz o espectador às, muitas vezes, antagônicas percepções dos fatos, entregando a seu arbítrio as conclusões; e um convite ao espectador para montar as peças do narrado, quando opta por não entregar didaticamente a identidade e o papel de cada personagem.
Com produção e fotografia de Guilherme Peraro, e a notável e original trilha sonora de Rodrigo Guedes, ambientada aos anos 80, o documentário conta ainda com depoimentos de figuras ilustres da cidade, entre as quais, destaca-se a de Domingos Pellegrini. Com o espectador a todo momento sendo chamado a pôr em paralelo o contexto político nacional dos dias de hoje, “Isto (não) é um assalto” surpreende, enfim, pela atualidade, que encontra seu ápice no ainda mais surpreendente final, já no ínterim dos créditos, com a insubstituível perspectiva do jornalista Paulo Ubiratan (in memoriam). Mais do que um documentário, o filme é um documento histórico e artístico, para figurar nos acervos, tanto da cidade quanto da academia. Mais um acerto da Kinopus e mais um mérito para Grota.
* Ronald Costa é professor de Literatura e Letras do Instituto Federal do Paraná (IFPR)