O futebol manchado pela cultura da morte
Nesta semana, completaram-se dois anos da tragédia da Chapecoense. Em novembro de 2016, o avião que transportava os jogadores do time catarinense, dirigentes, comissão técnica, jornalistas e convidados caiu na região de Medellín, Colômbia, onde a equipe disputaria a primeira partida da final da Copa Sul-Americana. As 71 mortes configuraram a maior tragédia da história do esporte mundial. Reportagem publicada pela FOLHA na quinta-feira (29) mostrou que processos com pedidos de indenização de familiares das vítimas tramitam no Judiciário do Brasil, da Colômbia, da Bolívia e dos Estados Unidos.
Por uma triste coincidência, quando se completam dois anos dessa dolorosa data, o que domina o noticiário do futebol sulamericano também é um fato extra-campo. O ataque de torcedores do River Plate ao ônibus do Boca Juniors, que provocou três adiamentos da segunda partida da decisão da Libertadores de 2018, não pode ser comparado à queda do voo da Chape, pela escala e pelo resultado dos acontecimentos. Mas no seu cerne ela revela o mesmo problema que levou à tragédia de 2016: o desprezo pela vida.
Desprezo esse manifestado por negligência, no caso da Chapecoense evidenciada pelo combustível insuficiente que levou à pane seca do avião e na agressão de Buenos Aires no policiamento e segurança frouxos que facilitaram a ação dos criminosos; por ganância cega, na tentativa da empresa área de aumentar sua margem de lucro apostando com vidas e na insistência da Conmebol em tentar realizar o jogo no último fim de semana em Buenos Aires mesmo com jogadores do Boca feridos e emocionalmente abalados; pela incompetência da maioria dos envolvidos nas duas situações; além, é claro, da violência em si ocorrida na capital argentina. E, que por sinal, é estimulada pelas punições brandas, como as que vimos quando torcedores do Corinthians mataram um torcedor boliviano com um sinalizador em 2013 e quando “hinchas” do Boca espirraram gás de pimenta em jogadores do River na Bombonera em 2015.
O futebol, nos seus melhores momentos, traduz tudo que há de bom na natureza humana: busca pela excelência, respeito às regras e aos adversários, criatividade, trabalho cooperativo. Entretanto, o esporte mais amado pelos sul-americanos segue manchado pela cultura da morte.
Embora não possam ser comparados, tragédia da Chape e ataque ao ônibus do Boca revelam o mesmo desprezo pela vida