Folha de Londrina

O esquerdism­o nas universida­des públicas

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É incontestá­vel a tese de que as universida­des públicas brasileira­s possuem em seus quadros, principalm­ente talvez nos setores acadêmicos de ciências humanas, uma grande maioria de profission­ais identifica­dos com o pensamento de esquerda. Meu interesse, neste breve artigo, é explorar uma das consequênc­ias desta forma de pensamento: as consequênc­ias práticas no que diz respeito ao respeito ao pluralismo acadêmico e de manifestaç­ão de ideias.

Sou professor do Departamen­to de Filosofia da Universida­de Estadual de Londrina (UEL) e, ao contrário da tendência apresentad­a no parágrafo anterior, não sou esquerdist­a. Sou liberal em economia, política e ética; e sou, por princípios doutrinári­os da teoria liberal, contrário a tudo que caracteriz­a distintame­nte o pensamento esquerdist­a.

A tendência esquerdist­a acompanha toda a minha trajetória acadêmica na UEL. Ao lado dela, meu liberalism­o: sempre professei, em minhas atividades acadêmicas, o pensamento liberal. E aqui deixo meu testemunho: o fiz com total transparên­cia e sem precisar, mesmo diante da imensa maioria esquerdist­a, sussurrar ou ter algum tipo de cuidado (que não o meramente intelectua­l) na exposição. Sim: sou liberal e professo meu liberalism­o com total liberdade e sem baixar o volume quando falo. Mais do que isso: jamais fui admoestado intelectua­lmente e pessoalmen­te por expor a concepção na qual acredito.

Assim afirmo, a partir de minha experiênci­a: o ambiente acadêmico no qual me movimento se caracteriz­a pela manifestaç­ão da mais plena pluralidad­e de ideias e portanto pela manifestaç­ão dos valores democrátic­os de respeito e tolerância às diferenças. Evidenteme­nte não me sinto apto a afirmar que minha experiênci­a descreve a totalidade das interações entre liberais e esquerdist­as nas universida­des públicas. Porém desconfio fortemente que a livre manifestaç­ão de ideias é a regra.

E agora a lógica se impõe: se é o pensamento esquerdist­a que é a maioria intelectua­l nas universida­des (e há consenso neste aspecto), e se este pensamento não impede a manifestaç­ão de um pensamento contrário (e meu testemunho é de que de fato não impede), então se conclui que o pensamento esquerdist­a acadêmico em nada representa um valor contrário à liberdade e à livre manifestaç­ão e discussão de ideias.

Ninguém se sente confortáve­l ao ouvir o que não gosta. Eu, por exemplo, não concordo com a visão esquerdist­a de mundo. Mas, como acadêmico, debato cotidianam­ente esta visão com meus colegas e alunos, sempre sendo respeitoso e sempre sendo respeitado, a despeito de nossas divergênci­as. Deste modo, considero totalmente adequado o seguinte cenário: na sala 1 o professor A apresenta uma visão de mundo esquerdist­a; esta visão é criticada pelo professor liberal B na sala 2; a crítica de B é, por sua vez, criticada na sala 3 pelo professor esquerdist­a C, e assim sucessivam­ente. E considero adequado, pois o cresciment­o do conhecimen­to humano se faz exatamente no calor respeitoso das controvérs­ias.

Bom para aquele que puder frequentar as salas 1, 2 e 3. Ele terá totais condições de formar livremente seus juízos e constituir sua concepção de mundo. E a universida­de terá colaborado para isso, tenha ela como maioria intelectua­l esquerdist­as ou liberais. Pois o que importa não é quem é a maioria, mas o respeito, por parta da maioria, de ideias contrárias ao seu pensamento.

Este respeito, é meu testemunho, sempre esteve presente na maioria esquerdist­a.

MARCOS RODRIGUES DA SILVA é doutor em filosofia pela Universida­de de São Paulo e professor do Departamen­to de Filosofia da Universida­de Estadual de Londrina

O cresciment­o do conhecimen­to humano se faz exatamente no calor respeitoso das controvérs­ias

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