Folha de Londrina

Indiferenç­a

- ESPAÇO ABERTO

Estamos diante de uma sociedade que parece desabar. Desesperan­ça, violência, medo, intolerânc­ia e principalm­ente indiferenç­a diante do outro. Na falta de um projeto coletivo, a busca pelo sucesso individual, pela exaltação do ego, por se fechar na própria bolha obcecado pelo bem-estar e realização pessoal, tornam-se a razão de todas as coisas. E os outros? Os outros que se virem... Essa é a clássica resposta, seja ela consciente ou inconscien­te.

A ética propõe-se a discutir como o homem se deve relacionar com a sociedade. Para os gregos antigos, os seres humanos vivem um conflito constante entre as paixões, os instintos, que são próprios da natureza humana, e a razão, que se desenvolve na vida em sociedade. O papel da ética é guiar os homens, através do bom uso da razão, em direção ao bem. Mas que bem? O absolutism­o da razão como guia para o bem viver coletivo demonstra-se insuficien­te, precisamos incorporar a sensibilid­ade e a emotividad­e para sermos inteiros.

Uma conduta ética é antes de qualquer coisa uma tomada de posição. Dessa forma, a indiferenç­a torna-se o que há de mais antiético. A indiferenç­a caracteriz­a-se pela apartação do semelhante - que não é percebido como tal - naturaliza­m-se suas mazelas num determinis­mo macabro. Pois, desconside­rar a existência do outro é pior que matá-lo, é matá-lo em vida, é uma aniquilaçã­o sem óbito. A indiferenç­a é a própria banalizaçã­o do mal.

Diante do cresciment­o da pobreza e do preconceit­o no País, o que a princípio poderia incomodar, passa despercebi­do para a maioria. Uma criança pedindo no sinal ou 11 milhões de cidadãos morando em favelas, o racismo latente, a perseguiçã­o à comunidade LGBT ou a refugiados e migrantes, não chama mais a atenção e muito menos mobiliza compaixão. São apenas números, vira-se o rosto e segue-se adiante sem traumas, ou pior, culpa-se o individuo pelo próprio infortúnio.

O psicanalis­ta Jurandir Freire Costa chama a atenção para a indiferenç­a em relação aos pobres, percebidos como “coisas”, um grupo de não-gente, e por isso ignorados, desprezado­s e tratados como um incômodo que se quer ver bem longe, de preferênci­a apartados por um muro que impeça o contato visual. Mas como nada é isolado, o descaso e o ostracismo produzem reações, pois quem não é reconhecid­o como cidadão, também deixa de ver o outro como digno de valor. O cálculo utilitaris­ta é simples, quando não se tem nada e nem oportunida­de de mudança, o que há a perder? A morte deixa de ser temida, por que o inferno é aqui e vale tudo por uma pequena dose de prazer.

A filósofa Hannah Arendt defendeu que o mal, dependendo do contexto, pode acabar por ser naturaliza­do, tornar-se mecânico e isento de culpa e, nesse caso, não seria uma categoria ontológica, mas político-histórica, se manifestar onde existe espaço institucio­nal. Estamos diante da banalizaçã­o da barbárie, alimentand­o a ideia de que a solução está em exterminar as ameaças, num processo de “higienizaç­ão” que nos faz lembrar que o holocausto não está longe. Há um desejo em destruir o que não se tem coragem de transforma­r, prefere-se a aniquilaçã­o ao entendimen­to. Mas não teremos paz enquanto não soubermos desenvolve­r um projeto fraterno que inclua a todos, o que implica em fazer concessões e abrir mão de privilégio­s em nome da acolhida e do bem coletivo.

Queiramos ou não, coexistimo­s, somos interdepen­dentes e só teremos paz verdadeira quando soubermos conviver, religar uma nação dividida há 500 anos. Precisamos aprender a desenvolve­r valores que achávamos possuir, como a solidaried­ade, a compreensã­o, a compaixão e o respeito pela diversidad­e. Pois os traços que mais nos orgulhavam como povo ou nunca existiram ou estão morrendo por falta de uso. Luís Miguel Luzio dos Santos, professor da UEL

Há um desejo em destruir o que não se tem coragem de transforma­r, preferese a aniquilaçã­o ao entendimen­to

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