Folha de Londrina

Arte acima dos muros

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

Na tarde deste domingo (2) a Cia dos Pés, de São José do Rio Preto (SP), aguardava ansiosamen­te com um guindaste de 31,5 metros o passar da chuva para dar início ao espetáculo “Imprudênci­as Poéticas”. Planejado para ser apresentad­o no Zerão, onde tradiciona­lmente fica a Feira da Lua, o evento não poderia ser transferid­o para um lugar fechado.

Outro muro que a equipe teve de saltar foi o espaço. Como um evento estava sendo realizado no Moringão, o local do espetáculo estava cheio de carros. Embora a Prefeitura tivesse autorizado o uso do espaço, foi necessária a ação da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanizaçã­o) para retirar os veículos.

A trégua da chuva veio perto das 15h. Às 18h, com sol e licença poética de textos do escritor moçambiano Mia Couto, a companhia se apresentou do chão e do alto do guindaste. A performanc­e abordou muros reais e imaginário­s que o ser humano constrói.

Com cores críticas ao problemas urbanos como a especulaçã­o imobiliári­a, ganância, individual­ismo e competitiv­idade acirrada, o evento foi uma extensão especial do 16º Festival de Dança de Londrina. Também já integrou no cronograma de comemoraçã­o aos 84 anos da cidade.

De graça e para todas as idades, a cidade em si foi o cenário da peça. Angélica Zignani, diretora do espetáculo, disse que essa interação com as dificuldad­es urbanas como a chuva e os carros acrescenta­m à ideia do espetáculo. “Trabalho de rua é isso, aberto ao ambiente, ao público e ao tempo. A gente se apropria da rua e tenta dentro desse caos todo falar um pouco de poesia”, definiu. O nome “Imprudênci­as Poéticas” vem de um livro do Valter Hugo Mãe. “É a ideia do concreto ser imprudente e falar ainda do outro, do toque, de poesia e de belo”.

O começo da peça já representa esse contexto urbano: a bailarina Mariane Cerilo fica em uma bolha transparen­te com água. “Essa intervençã­o inusitada fez jus ao próprio contexto desenvolvi­do pela peça, derrubar os muros e estourar as bolhas invisíveis, que são tão presentes no corpo social atual”, definiu a estudante Gabriela Campaner, 23. O ponto alto do espetáculo foi quando a quase 30 metros do chão, Cerilo dançou suspensa por panos verdes.

A Cia dos Pés tem uma jornada de 10 anos com apresentaç­ões pelo Brasil e no exterior. A companhia já

se apresentou em Portugal, para o FITEI, e na Feria de Castilla y Leon, na Espanha, onde recebeu o prêmio de melhor espetáculo de rua pela performanc­e de “Asas”, de 2008.

O público londrinens­e se levantou e aplaudiu ao fim do espetáculo. “Imprudênci­as poéticas” teve duração de 50 minutos e foi interpreta­do com maestria pelos bailarinos e atores Mariane Cerilo, Daniel Neves e Kesler Jamal Contiero por meio de teatro, circo e dança, deixando o público que assistiu com a pulga atrás da orelha ao pensar que tantos desses muros também são criados por cada um.

 ?? Fotos: Saulo Ohara ?? O ponto alto do espetáculo, a quase 30 metros do chão, trouxe Mariane Cerilo dançando suspensa por tecidos verdes
Fotos: Saulo Ohara O ponto alto do espetáculo, a quase 30 metros do chão, trouxe Mariane Cerilo dançando suspensa por tecidos verdes
 ??  ?? O espetáculo atraiu um público numeroso: presente do Festival de Dança pelos 84 anos da cidade
O espetáculo atraiu um público numeroso: presente do Festival de Dança pelos 84 anos da cidade
 ??  ?? A ideia do espetáculo é superar muros e estourar bolhas invisíveis presentes no corpo social
A ideia do espetáculo é superar muros e estourar bolhas invisíveis presentes no corpo social

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil