Se não levar muito a sério...
Em ‘Aquaman’, em cartaz nos cinemas, ‘tour de force’ ecológico, que por escrito pode soar forçado, é mais ou menos bem resolvido no filme
Agora em águas profundas, barulhentas e multicoloridas, continua a disputa feroz entre as gigantes da fantasia, DC Comics e Marvel. A nova aposta DC para ameaçar sua concorrente cada vez mais em vantagem explodiu no ultimo final de semana em milhares de salas do planeta.
E chega pelas mãos do diretor sino-malaio James Wan (etnia chinesa, nascido na Malásia) depois de seus vários êxitos em sagas como “Jogos Mortais”, “Velozes e Furiosos” e “Invocação do Mal”. Mas além da exibição visual exuberante para dar vida à civilização da Atlântida e para desenvolver as espetaculares batalhas submarinas, sua contribuição em “Aquaman” é decepcionante. Assim, o destino trágico que parece pairar sobre essa franquia (com algumas honrosas exceções, como “Mulher Maravilha”, de Patty Jenkins) faz com que tropece até mesmo um cineasta que estava em franca ascendência. Mas vamos em frente, que ainda tem salvação.
Apresentado anteriormente em “A Liga da Justiça”, o personagem de “Aquaman” ganha seu devido prólogo antes dos créditos, com o encontro entre Atlanna (Nicole Kidman, rejuvenescida pelo botox digital), rainha fugitiva de Atlantis, e Tom Curry (Temuera Morrison), o encarregado do farol. Da relação entre os dois nasce o “mestiço” Arthur - interpretado pelo grande (1.92m) Jason Momoa, que tenta concorrer com o carisma e a simpatia com menos sucesso, por enquanto - do Thor de Chris Hemswort.
Sem a mãe, levada prisioneira de volta ao seu reino, o menino Arthur é treinado por Vulko e ensinado a combater o mal, aperfeiçoando seus superpoderes anfíbios.
Nos 143 minutos de duração, há mergulhos variados, que vão desde o duelo entre irmãos (Aquaman deve enfrentar seu meio irmão Orm, personagem ridículo na pele de Patrick Wilson) até piratas impiedosos, atores de alguma magnitude em papeis menores (além de Kidman, William Dafoe aparece como o vizir de Orm, Vulko, fiel à rainha Atlanna) e a impressão permanente de que, sem as brigas e explosões e correrias atrás do tridente (a Excalibur deste quase rei Arthur submarino), a narrativa não se sustentaria por tanto tempo. (Não se sustentam, mas dá-se um jeitinho e as horas passam.) Se havia a intenção de sutilezas no roteiro ou personagens com um pouco mais de profundidade (infame, não pude evitar...), estas se perderam na maré alta. “Aquaman” oscila entre a fugacidade pop e o drama. No filme, tudo que pretende ser sólido não desmancha no ar, mas na areia, e a história somente dá sinais de alguma vitalidade quando recorre a alguns recursos da comédia (como no selfie do bar com os ‘easy rider’ ameaçadores, mas muito ‘maneros’) ou da aventura, mas cai sensivelmente de nível quando pretende se levar muito a sério. Quando, por exemplo, aproveita a lenda helênica do continente perdido para explorar um lado mais ‘heavy’ da tragédia grega. E piora quando a artificialidade derrota o verossímil, levando as coisas para o terreno sempre constrangedor da vergonha alheia.
Mas há um súbito ponto de interesse quando se fala em dar uma lição aos humanos, considerados inimigos porque estão enchendo os sete mares de imundície. Esse ‘tour de force’ ecológico, que por escrito pode soar um tanto forçado, é mais ou menos bem resolvido no filme.
Jason Momoa resulta adequado para fazer de seu Aquaman um tipo meio taciturno mas aos mesmo tempo sensível, inteligente, bem humorado e até de certa forma nobre, quando ao final incorpora a realeza. E também um tanto semideus. Não chega a ser chato em nenhum momento (mesmo quando é rondado pelo melodrama pesado) e sua simpatia dá um bom empurrão ao filme.