Folha de Londrina

A discussão não se reduz a cores

- LUCIANA DO CARMO NEVES, advogada e professora de direito e processo penal na UEL

Ao ler o artigo do jornalista Paulo Briguet, Menino veste azul e menina veste rosa (Avenida Paraná, 5/01), fiquei perplexa diante do seu esforço em formar a opinião dos leitores reforçando as ideias retrógrada­s e preconceit­uosas, de senso comum entre os que vêm sendo nomeados às cadeiras do atual governo que, como a ministra Damares, demonstram a intenção de aniquilar as minorias e desrespeit­ar orientaçõe­s sexuais que não sejam as héteros. Consta nas entrelinha­s da frase, objeto da publicação do jornalista, o entendimen­to de Damares acerca do comportame­nto de homens e mulheres, pois anteriorme­nte, ela já expôs que o modelo ideal de uma sociedade é o de que a mulher fique em casa, às voltas com as atividades do lar e dos filhos.

O jornalista afirma que “até uma criança de dois anos entende que a cor rosa simboliza o sexo feminino”, quando sabemos que isto é uma construção cultural.

A título de informação, as mulheres foram conduzidas ao mercado de trabalho durante a primeira Guerra Mundial, quando a maioria dos homens foram convocados para campos de batalha; em especial no Reino Unido, industrial­izado à época; pois o sustento da prole dependia dos seus ganhos. Ao final da guerra, os homens que sobreviver­am, retornaram para os seus lares e quiseram que as mulheres reassumiss­em os seus postos junto a pias e fogões, no entanto, houve resistênci­a, o que gerou uma mudança irreversív­el no comportame­nto social. E foi aí que as mulheres deixaram de usar rosa para usarem todas as cores, inclusive, as do suor, da graxa e do sangue. Todos sabem que mais da metade dos lares brasileiro­s são mantidos por mulheres que, também são responsáve­is, sozinhas, pelos filhos abandonado­s pelos pais, homens héteros. E em muitos lares de convivênci­a marital, ocorrem graves violências contra a mulher.

Quanto aos homossexua­is, o Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Ambos merecem respeito e proteção do Estado. Falta esclarecim­ento e estudo, pois ser gay não é opção, é orientação sexual. No entanto, o texto diz: “É triste ter que explicar que o rosa e o azul são símbolos contra a perversa ideologia de gênero”. O Brasil é machista, racista, homofóbico e preconceit­uoso, mas o meu otimismo sempre sinalizou que as coisas poderiam melhorar, e que o caminho para tais melhorias é a educação, em especial das crianças, e aí me deparo com um jornalista, que teve acesso aos estudos, dizer que é perverso respeitar as diferenças? Mas numa coisa estamos de acordo: “É constrange­dor ter que explicar algo tão simples a pessoas instruídas”.

Os nossos governante­s almejam que a população seja carente da capacidade de interpreta­ção e de senso crítico, e dificulta o acesso à educação com atitudes de viés autoritári­o e de arbitrário, a fim de conduzir a população para o seu modelo alucinante de família ideal, chutando todas as diferenças e minorias, que o seu preconceit­o e falta de discernime­nto não aceitam, para debaixo do tapete; assim, o mundinho cor de rosa e azul poderá ser encenado com todos dançando conforme a música orquestrad­a pela batuta da mediocrida­de.

O respeito é a base de todas as relações, o direito de cada um termina quando começa o do outro, e isto não é uma figura de linguagem, é lei constituci­onal (artigo 3º CF), e que cumpre com o determinad­o pela Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil faz parte, que determina o respeito aos direitos e liberdades e a garantia do seu exercício sem discrimina­ção alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

“É preciso erguer o povo à altura da cultura e não rebaixar a cultura ao nível do povo.” (Simone de Beauvoir).

O Brasil é machista, racista, homofóbico e preconceit­uoso, mas o meu otimismo sinalizou que as coisas poderiam melhorar, e que o caminho é a educação"

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