O preconceito não tem retratação
Eu, Luciana do Carmo Neves, divorciada, mãe da Bruna e do Lucas, advogada e professora da UEL, aluna de muitos e ótimos professores, possuidora de uma gama de amigos maravilhosos, não adeptos da teoria geocêntrica, venho a público confessar que sei que pensar e expor uma ideia voltada para um mundo justo, igualitário e sem preconceitos, é capaz de abalar as estruturas dos que defendem um governo autoritário e o conforto de um povo que diga “amém”. Cheguei a essa conclusão após ler o artigo do aluno e amigo do Olavo de Carvalho, Paulo Briguet, jornalista, publicado recentemente nesta Folha: Retratação de um jornalista preconceituoso. Só a fala “aluno e amigo do Olavo de Carvalho”, já diz tudo. Eu nem precisava ter lido o restante, mas em respeito à dedicação que ele teve ao me responder, li, e não me surpreendi, nem quanto às contradições, menos ainda quanto às previsíveis ironias, bastante chulas.
Realmente eu devo escrever na língua do imbecilês, fugindo da realidade e sendo escrava da ideologia quando cito fatos históricos, de quando a mulher foi conduzida para o mercado de trabalho, e ao transcrever trechos de uma legislação vigente, não apenas no Brasil, mas na América toda, Convenção Americana de Direitos Humanos, isso tudo deve fazer parte do meu imaginário que é guiado pela minha escravidão ideológica, e que faz com que eu e muita gente não concorde com a ideia de “família ideal”, desenhada pela ministra Damares Alves, que só ocupa o cargo hoje em razão das muitas lutas feministas ao longo da história, do contrário, seria uma dona de casa.
Eu devo escrever na língua do imbecilês, ao mencionar que o Brasil é o país que mais mata LGBTs (estatisticamente comprovado) e que em muitos lares de convivência marital ocorrem graves violências contra a mulher, em razão do gênero, pois apenas uma imbecil que atua como advogada criminalista na UEL, voltada para a defesa da população carente desta cidade, há quase 22 anos, e que se depara diariamente com inúmeras situações e práticas delitivas geradas pelo preconceito em relação à mulheres e gays, é que pode dizer tantos absurdos advindos de uma escravidão ideológica.
Eu devo ser uma imbecil por não ter enxergado que o “outubro rosa” e o “novembro azul” foram criados com a intenção de limitar a sexualidade das pessoas, fazê-las ver que o azul representa os meninos e o rosa as meninas e que devemos nos importar com quem as pessoas dividem a sua cama; e não como eu pensava que era a fim de conscientizar as pessoas acerca da importância dos exames médicos e do diagnóstico precoce de um eventual câncer em seus órgãos genitais.
Eu devo ser uma imbecil por reconhecer que a orientação sexual independe do sexo biológico, que nem sempre se correspondem, e que as pessoas com orientação homossexual se organizaram, ao longo das décadas, em luta pelos seus direitos, levantando uma bandeira com todas as cores do arco-íris; e que não se trata de ideologia de gênero, expressão criada pela direita opressora, com o intuito de confundir a população, mas trata-se sim de fazer valer os seus direitos, como os de qualquer cidadão que cumpre com os seus deveres, inclusive recolhendo os impostos que lhe são cobrados. Quando na verdade o ilustre jornalista me explicou que os gays são massa de manobra das políticas de esquerda. Eu ri.
De novo admito ser uma imbecil por não saber que “os matadores não perguntam antes se a vítima é branca, negra, indígena ou gay”, acrescento, ou mulher.
Realmente o feminicídio não afeta só as mulheres, a homofobia não afeta só os gays, os madeireiros, em nome da ganância, não atacam apenas os indígenas, e também, os crimes raciais não ocorrem apenas contra os negros. As vítimas são escolhidas aleatoriamente, obrigada pela aula, jornalista que ignora notícias e pesquisas.
Tudo o que escrevi, na língua do imbecilês, deu voz a muitas pessoas que não suportam mais se deparar com manifestações grotescas e preconceituosas daqueles que são os verdadeiros escravos de uma ideologia.
Não sou partidária, não sou psolista, nem petista, o termo “companheira” foi usado em vão para mim; sou apenas uma humanista.
O Jornalista termina com a frase: “Data vênia,prometo melhorar”. Data venia, não prometa aquilo que não pode cumprir.
PS: venia é sem acento.
Realmente o feminicídio não afeta só as mulheres, a homofobia não afeta só os gays, os madeireiros, em nome da ganância, não atacam apenas os indígenas”
LUCIANA DO CARMO NEVES,
professora/advogada prática de direito e processo penal na UEL