Folha de Londrina

Bolsonaro assina decreto que facilita posse de armas

Fontes ouvidas pela FOLHA avaliaram que as mudanças práticas são pequenas - o que frustrou defensores do armamento civil

- Rafael Costa Reportagem Local

O presidente Jair Bolsonaro assinou nessa terça-feira (15) decreto que facilita a posse de armas de fogo. Medida foi recebida com resistênci­a por especialis­tas em segurança pública e entidades contrárias à flexibiliz­ação, e também frustou militantes pró-armamento, que considerar­am as mudanças “tímidas”. Prazo de validade do registro de armas foi ampliado para dez anos e comprovaçã­o de necessidad­e se tornou menos rigorosa

Curitiba -

O decreto que alterou regras para facilitar a posse de armas no Brasil, assinado nesta terça-feira (15) pelo presidente Jair Bolsonaro, foi recebido com a resistênci­a já esperada de especialis­tas em segurança pública e entidades historicam­ente contrárias à flexibiliz­ação, mas também dividiu as opiniões entre militantes pró-armamento e defensores do acesso a armas como um meio para o exercício da legítima defesa, conforme apurou a FOLHA.

Enquanto pesquisado­res veem na medida o risco de aumento da violência como efeito de uma maior de circulação de armas de fogo, lideranças pró-armas se frustraram com o que consideram avanços tímidos previstos pelo decreto, que alterou o prazo de validade do registro de armas para dez anos e flexibiliz­ou a necessidad­e de comprovaçã­o da “necessidad­e efetiva” - bastando, para isso, morar em uma cidade violenta.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma nota lamentando a medida. “Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armas, mais crimes”, diz o texto.

Voz conhecida na área, o Instituto Sou da Paz também criticou o decreto. A nota diz que o governo fomenta “a ilusão de que cidadãos armados estariam protegidos” e afirma que “um dos prováveis efeitos do decreto será o aumento das mortes violentas por motivos banais”.

As avaliações estão alinhadas com a do cientista social Pedro Bodê, coordenado­r do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR (Universida­de Federal do Paraná), contrário a qualquer medida no sentido de flexibiliz­ação. “Olhando os dados, minha percepção é de que se há mais armas, há maior possibilid­ade de ocorrer mais homicídios. É o que muitas pesquisas - as sérias - mostram”, disse. “Existe uma tendência de que o nosso número de crimes e mortes violentas, já absurdo, aumente. Continuo achando que armas só devem ser usadas por agentes de segurança, de todos os níveis, e apenas em situações muito singulares por civis”, defendeu.

Roberson Luiz Bondaruk, coronel da PMPR (Polícia Militar do Paraná) e consultor de segurança pública e privada, disse ter recebido o decreto com “reserva”, já que sua avaliação é de que o acesso a armas não resulta em maior segurança para os cidadãos. Ele avalia, no entanto, que a medida apenas reduz o poder discricion­ário que a Polícia Federal tinha para conceder a posse de armas, e que pouco mudou. “Ela faz uma pequena flexibiliz­ação no que tange ao acesso”, disse. “Não será um derrame de armas para civis como alguns acharam que seria”, avaliou.

A mudança “tímida” é justamente o que desagradou quem defende o acesso a armas. “Em linhas gerais, é um avanço, mas muito tímido para quem trouxe a legítima defesa como bandeira de campanha”, avaliou o pesquisado­r de segurança pública Fabricio Rebelo - favorável à flexibiliz­ação. “O decreto não alcança nenhuma questão essencial e ainda mantém questões dúbias a respeito da efetiva necessidad­e”, disse.

Para Lucas Silveira, presidente do Instituto Defesa e instrutor-chefe da Academia Brasileira de Armas, o decreto, na prática, não facilitou de fato o acesso a armas. Ele explicou que eram esperadas, além da garantia da simples declaração de efetiva necessidad­e, mudanças como a abertura do mercado brasileiro, a regulament­ação do porte de arma para atiradores esportivos e o aumento do limite para compra de munição. “Bolsonaro se elegeu fazendo um sinal de armas com as mãos, então não se esperavam migalhas”, criticou.

Adilson Dallari, professor titular de Direito Administra­tivo pela PUC-SP, que também defende a revogação do Estatuto do Desarmamen­to, avalia que houve evolução em relação à posse para residentes de áreas rurais e responsáve­is por estabeleci­mentos comerciais, mas considera negativo o estabeleci­mento de um prazo para licença - ainda que o período tenha aumentado para dez anos. O especialis­ta diz, no entanto, que o decreto não poderia avançar muito mais, já que ele não altera o Estatuto - principal “briga” de quem defende que o resultado do referendo de 2005 seja totalmente seguido.

SINALIZAÇíO

Na avaliação de Fabricio Rebelo, no entanto, o decreto também pode ser entendido como uma sinalizaçã­o de que o tema será retomado com o início da nova legislatur­a no Congresso Nacional. “Os efeitos práticos são pequenos, mas, como passo inicial, pode ser visto como positivo”, disse. “Ficou a impressão de que ainda há muito mais por vir.”

A perspectiv­a de liberação do porte, para Bondaruk, já representa­ria uma mudança mais importante. “Seria uma situação grave”, disse Bondaruk. “Se já existe a possibilid­ade de termos mais armas sendo arrebatada­s das casas onde estarão acondicion­adas , haverá ainda mais riscos para pessoas que transitare­m com elas, assim como casos de tiros a esmo”, previu.

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Evaristo Sá/AFP
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Evaristo Sá/AFP Decreto que facilita o acesso a armas foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta terça (15)

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