Bolsonaro assina decreto que facilita posse de armas
Fontes ouvidas pela FOLHA avaliaram que as mudanças práticas são pequenas - o que frustrou defensores do armamento civil
O presidente Jair Bolsonaro assinou nessa terça-feira (15) decreto que facilita a posse de armas de fogo. Medida foi recebida com resistência por especialistas em segurança pública e entidades contrárias à flexibilização, e também frustou militantes pró-armamento, que consideraram as mudanças “tímidas”. Prazo de validade do registro de armas foi ampliado para dez anos e comprovação de necessidade se tornou menos rigorosa
Curitiba -
O decreto que alterou regras para facilitar a posse de armas no Brasil, assinado nesta terça-feira (15) pelo presidente Jair Bolsonaro, foi recebido com a resistência já esperada de especialistas em segurança pública e entidades historicamente contrárias à flexibilização, mas também dividiu as opiniões entre militantes pró-armamento e defensores do acesso a armas como um meio para o exercício da legítima defesa, conforme apurou a FOLHA.
Enquanto pesquisadores veem na medida o risco de aumento da violência como efeito de uma maior de circulação de armas de fogo, lideranças pró-armas se frustraram com o que consideram avanços tímidos previstos pelo decreto, que alterou o prazo de validade do registro de armas para dez anos e flexibilizou a necessidade de comprovação da “necessidade efetiva” - bastando, para isso, morar em uma cidade violenta.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma nota lamentando a medida. “Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armas, mais crimes”, diz o texto.
Voz conhecida na área, o Instituto Sou da Paz também criticou o decreto. A nota diz que o governo fomenta “a ilusão de que cidadãos armados estariam protegidos” e afirma que “um dos prováveis efeitos do decreto será o aumento das mortes violentas por motivos banais”.
As avaliações estão alinhadas com a do cientista social Pedro Bodê, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR (Universidade Federal do Paraná), contrário a qualquer medida no sentido de flexibilização. “Olhando os dados, minha percepção é de que se há mais armas, há maior possibilidade de ocorrer mais homicídios. É o que muitas pesquisas - as sérias - mostram”, disse. “Existe uma tendência de que o nosso número de crimes e mortes violentas, já absurdo, aumente. Continuo achando que armas só devem ser usadas por agentes de segurança, de todos os níveis, e apenas em situações muito singulares por civis”, defendeu.
Roberson Luiz Bondaruk, coronel da PMPR (Polícia Militar do Paraná) e consultor de segurança pública e privada, disse ter recebido o decreto com “reserva”, já que sua avaliação é de que o acesso a armas não resulta em maior segurança para os cidadãos. Ele avalia, no entanto, que a medida apenas reduz o poder discricionário que a Polícia Federal tinha para conceder a posse de armas, e que pouco mudou. “Ela faz uma pequena flexibilização no que tange ao acesso”, disse. “Não será um derrame de armas para civis como alguns acharam que seria”, avaliou.
A mudança “tímida” é justamente o que desagradou quem defende o acesso a armas. “Em linhas gerais, é um avanço, mas muito tímido para quem trouxe a legítima defesa como bandeira de campanha”, avaliou o pesquisador de segurança pública Fabricio Rebelo - favorável à flexibilização. “O decreto não alcança nenhuma questão essencial e ainda mantém questões dúbias a respeito da efetiva necessidade”, disse.
Para Lucas Silveira, presidente do Instituto Defesa e instrutor-chefe da Academia Brasileira de Armas, o decreto, na prática, não facilitou de fato o acesso a armas. Ele explicou que eram esperadas, além da garantia da simples declaração de efetiva necessidade, mudanças como a abertura do mercado brasileiro, a regulamentação do porte de arma para atiradores esportivos e o aumento do limite para compra de munição. “Bolsonaro se elegeu fazendo um sinal de armas com as mãos, então não se esperavam migalhas”, criticou.
Adilson Dallari, professor titular de Direito Administrativo pela PUC-SP, que também defende a revogação do Estatuto do Desarmamento, avalia que houve evolução em relação à posse para residentes de áreas rurais e responsáveis por estabelecimentos comerciais, mas considera negativo o estabelecimento de um prazo para licença - ainda que o período tenha aumentado para dez anos. O especialista diz, no entanto, que o decreto não poderia avançar muito mais, já que ele não altera o Estatuto - principal “briga” de quem defende que o resultado do referendo de 2005 seja totalmente seguido.
SINALIZAÇÃO
Na avaliação de Fabricio Rebelo, no entanto, o decreto também pode ser entendido como uma sinalização de que o tema será retomado com o início da nova legislatura no Congresso Nacional. “Os efeitos práticos são pequenos, mas, como passo inicial, pode ser visto como positivo”, disse. “Ficou a impressão de que ainda há muito mais por vir.”
A perspectiva de liberação do porte, para Bondaruk, já representaria uma mudança mais importante. “Seria uma situação grave”, disse Bondaruk. “Se já existe a possibilidade de termos mais armas sendo arrebatadas das casas onde estarão acondicionadas , haverá ainda mais riscos para pessoas que transitarem com elas, assim como casos de tiros a esmo”, previu.