Folha de Londrina

‘Aqui era tudo mato’

A pioneira Jesuína de Souza Abreu completará 100 anos e quer comemorar com uma grande festa com a família

- Vítor Ogawa Reportagem Local

Prestes a completar 100 anos, Jesuína Abreu relembra as sete décadas vividas na Vila Nova, na região central de Londrina, e fala sobre as transforma­ções da cidade e dos costumes ao longo do tempo.

Em 2019 a pioneira de Londrina, Jesuína de Souza Abreu, conhecida como vó Gê, completará 100 anos. Morando há 70 anos na Vila Nova (região central), ela nasceu no dia 14 de maio e espera fazer uma grande festa com a família no Dia das Mães.

Ela nasceu em Vila Ibarra, atual município de Catiguá (SP) e foi criada pelo avô materno Manuel Batista de Freitas, de Portugal. “Eu nasci e cresci em um sítio chamado Monte Alto Mauro da Costa”, relata. De lá foi morar em Lins, onde se casou com José de Abreu. “Meu avô era bravo e não deixava a gente namorar. O máximo que a gente fazia era comer fruta no pé”, relembra. Ela chegou a Londrina em 1945, com o marido José de Abreu e três filhas: Luzia, Francisca e Conceição Aparecida. Na época, o marido trabalhava em um sítio no Limoeiro (zona leste).

A primeira casa em Londrina era de madeira, mas mais se parecia com uma tulha de milho. Não havia energia elétrica, esgoto ou água encanada. Embora tivesse quarto, sala e cozinha, todos os cômodos estavam repletos de milho. A edificação era alta e tinha um porão que servia de garagem para um caminhão. As camas eram feitas com cavaletes e tábuas por cima e os colchões eram de palha de milho, confeccion­ados com sacos de farinha.

Nesse local a família permaneceu por três anos. Foi um período em que eles mal saíam do sítio, e tinham a vida mais ligada a Ibiporã do que Londrina. Jesuína relata que a água era retirada de uma mina com baldes feitos de lata, em um local que possuía muito agrião. “Aqui era tudo mato. Não tinha muita casa aqui na região”, relembra A propriedad­e se localizava onde atualmente é o início da avenida Santos Dumont.

Depois que o dono do sítio vendeu a propriedad­e, em 1949 a família de Jesuína alugou uma casa na rua Guaporé, onde hoje fica uma agência do Correios. Abreu passou a trabalhar em uma serraria. A Guaporé não era asfaltada, mas revestida por paralelepí­pedos e naquela época Londrina ainda estava em seu início. Nas proximidad­es havia somente outras três casas.

Em 1952, o casal comprou o terreno na rua Itajaí. Como marido trabalhava em uma serraria, aos poucos ele foi adquirindo as madeiras para construir a casa. O terreno ficava na propriedad­e de Manuel Marques, que era o bisavô do marido. A extensão da propriedad­e, conta ela, ia da atual avenida Leste-oeste até a rua Tietê. Conforme a cidade ia crescendo, a família Marques foi cedendo partes do terreno para a construção de um posto de saúde e para o colégio Nilo Peçanha.

Outras partes da propriedad­e foram desapropri­adas ou trocadas por apartament­os edificados na região. Jesuína se recorda que no dia em que a rua Itajaí foi asfaltada, a vizinhança ficou muito feliz. “Teve até festa para receber a benfeitori­a”, conta.

A pioneira afirma que sempre foi muito feliz. “O que me deixava mais feliz era ficar abraçadinh­a com ele”, destacou. Em seu tempo livre, os dois gostavam muito de ir ao cinema, no cine Ouro Verde. O casal teve nove filhos no total. O marido faleceu quando tinha 49 anos.

Foi um período difícil na vida de Jesuína, que passou a lavar roupa para sustentar os filhos. As filhas mais velhas passaram a cuidar de crianças. O ex-prefeito Wilson Moreira (que na época era proprietár­io da empresa onde o marido trabalhava) também passou a ajudar a família cedendo mantimento­s e, pos- teriorment­e, empregando os filhos na empresa. “Ele nunca nos deixou faltar nada. Trazia saco de arroz, feijão, açúcar e queijo”, declarou. “Se for comparar com essa época, eu acho que hoje as coisas estão mais difíceis. Hoje tem muita gente pobre precisando de ajuda, que não tem de onde tirar dinheiro. Naquela época não tinha muita gente assim e, quando tinha, uma pessoa ajudava outra. Parece que tinha mais bondade”, destacou.

Dos nove filhos do casal, um morreu um dia depois de nascer. Outras duas filhas e dois filhos também faleceram posteriorm­ente. A filha Cidinha trabalha com malharia e reside até hoje com Jesuína. A filha Tereza trabalha com facção e Izabel e costura bolsas. Ronaldo, o caçula, é servidor público em São Paulo.

Vó Gê, como é conhecida, tem 13 netos, 17 bisnetos e três tataraneto­s. Até os 85 anos percorria a distância de sua casa na Vila Nova até o Centro a pé. Hoje, o que mais gosta de fazer é receber a família na casa que seu marido construiu. Continua realizando as suas orações, que aprendeu com o avô.

O que me deixava mais feliz era ficar abraçadinh­a com meu marido”

Meu avô era bravo e não deixava a gente namorar”

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GustAvo CArneiro
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“Aqui era tudo mato. Não tinha muita casa aqui na região”
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Gustavo Carneiro ”, lembra Jesuína Abreu

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