‘CAMA DE OSSOS’
Última descoberta em Cruzeiro do Oeste foi divulgada em agosto: o fóssil do pterossauro Keresdrakon vilsoni
O termo usado na paleontologia para descrever um campo com grande concentração de fósseis é como os cientistas estão classificando o sítio de Cruzeiro do Oeste. As sucessivas descobertas recentes de dinossauros e répteis voadores têm atraído a atenção dos pesquisadores
Osítio paleontológico de Cruzeiro do Oeste (Noroeste) tem impressionado cientistas pela quantidade de fósseis encontrados na área. Divulgada em agosto, a existência de um fóssil de pterossauro, o Keresdrakon vilsoni, ocorre em rochas areníticas da Bacia Sedimentar do Paraná/Bacia Bauru, no mesmo espaço onde foram encontrados e descritos outros fósseis: o pterossauro Caiuajara dobruskii, o lagarto Gueragama sulamericana e o dinossauro Vespersaurus paranaensis. Isso configura o que os cientistas chamam de bonebed, um termo inglês que pode ser traduzido como cama de ossos.
“É emocionante ver que não são apenas um ou dois os
É emocionante ver que não são apenas um ou dois ossos. São centenas. É como se estivéssemos abrindo o livro da história da Terra”
Provavelmente em Cruzeiro do Oeste devia ter um oásis para iniciar um ecossistema que reuniu todas essas espécies”
sos. São centenas. É como se estivéssemos abrindo o livro da história da Terra”, declara o professor doutor Luiz Carlos Weinschütz, do Cenpaleo (Centro Paleontológico da Universidade do Contestado), de Mafra(SC), responsável pela identificação do fóssil do pterossauro extraído em Cruzeiro do Oeste.O material do Keresdrakon vilsoni,foi enviados para Mafra para ser preparado e analisado.
“Às vezes passa despercebido por alguns pesquisadores o fato de encontrar uma sucessão de três horizontes com grande concentração de ossos (os bonebeds) e com associação de duas espécies de pterossauros, cada uma especializada em um modo de vida e hábito alimentar. Além disso, temos também associado um dinossauro, o que permite ter uma ideia da paleoecologia (a relação entre espécies) em uma área que há milhões de anos já foi um deserto”, destaca o paleontólogo Alexandre Kellner, do Museu nacional do Rio de Janeiro, ligado à UFRJ (Universidade federal do Rio de Janeiro).
“A hipótese que mais consideramos é que esses seres viveram em regiões desérticas, onde a existência de chuvas era rara. Havia organismos sobre esqueletos que morreram com diferença de um ou dois anos. Pode ser que a região tenha ficado cinco anos sem chover. As rochas do período cretáceo foram formadas por um grande deserto em que existia vida. Nesse cenário não é fácil ter comida e água e provavelmente em Cruzeiro do Oeste devia ter um oásis para iniciar um ecossistema que reuniu todas essas espécies”, destaca Weinschütz.
Segundo ele, esporadicamente a região era acometida por chuvas violentas. “Como a água lava as bordas das lagoas, todos os ossos eram carreados para o fundo desse corpo hídrico. Isso fez com que todos eles se misturassem e os esqueletos ficaram desarticulados. A gente percebe isso pela separação hidrodinâmica em que ossos mais finos e menores foram localizados mais longe e aqueles maiores e mais pesados ficaram mais perto”, observa.
Nessa linha de interpretação essa cama de ossos constitui um quebra-cabeça que pode levar anos para ser montado.
“O legal é que nessa época possivelmente havia um grande quantidade de vertebrados coexistindo. São pterossauros, dinossauros, aves e mamíferos. Caso essa hipótese se concretize, Cruzeiro do Oeste pode se tornar uma das regiões mais importantes do planeta”, projeta Weinschütz.
ESPÍRITO DA MORTE
O Keresdrakon vilsoni, que significa “Dragão espírito da morte”, teve os ossos analisados entre 2012 e 2014 na universidade catarinense. O nome do réptil voador é formado pela palavra “Keres”, que na mitologia Grega representa espíritos da fatalidade, e “Drakon”, que no grego antigo é a palavra para dragão ou enorme serpente. Já o nome “Vilsoni” homenageia Vilson Greinert, voluntário do Cenpaleo. “Ele é preparador das peças do Cenpaleo há mais de 20 anos”, destaca Weinschütz.
“O pterossauro faz parte de outras descobertas que vem sendo apresentadas de Cruzeiro do Oeste. A gente está tendo ocorrência de várias espécies convivendo no mesmo ambiente, e os fósseis são do mesmo extrato rochoso. Isso é raro e essa é a novidade. Claro que quando revelamos a espécie Caiuajara dobruskii, em 2014, teve uma repercussão maior, porque foi um dos raros fósseis encontrados no interior e não na região costeira. Desta vez os fósseis também foram encontrados no interior, mas já não tiveram o mesmo impacto”, destaca.