Corte de bolsas do CNPq preocupa pesquisadores
Área é afetada por suspensão e proposta de mudanças de critérios de distribuição de bolsas
As últimas semanas têm sido agitadas para pesquisadores do País. Desde o dia 15 de agosto, quando o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) suspendeu 4,5 mil bolsas de pesquisa e anunciou que não há garantia de pagamento das vigentes até o final do ano, outras notícias vieram como avalanche sobre a ciência no Brasil. Naquela mesma semana, o MEC (Ministério da Educação) anunciou possíveis mudanças no sistema de distribuição de bolsas, tendo como critério o teor da pesquisa. Agora, veio o bloqueio de 5.913 unidades de financiamento de pesquisadores da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação vinculada ao MEC (Ministério da Educação), somando 11.811 benefícios negados no ano, além da redução pela metade no orçamento do órgão para 2020. É nesse contexto que representantes de entidades discutem os rumos da pesquisa científica nacional.
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, disse que, com um remanejamento interno no orçamento, o CNPq vai conseguir pagar as bolsas dos pesquisadores em setembro. A conta é de R$ 82 milhões, mas a situação não está resolvida. Faltam ainda R$ 250 milhões para garantir o pagamento até dezembro.
“O que nós estamos observando é um cenário muito ruim no Brasil. O CNPq com um problema praticamente iminente, com mais de 80 mil bolsas em andamento e a interrupção de um compromisso que foi firmado entre agência e pesquisadores de diferentes níveis. Isso é um impacto sem precedentes, tira a agência do circuito e, combinado com a Capes, o financiamento para essa área fica praticamente inviabilizado. Nós vamos pagar um preço caríssimo no futuro”, afirma Márcio Silva Filho, presidente do Foprop (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação).
Na terça-feira (3), Silva Filho se reuniu com representantes da Capes para discutir a situação. Além da interrupção do fluxo normal de alunos programados para ingressar na pesquisa, há outra preocupação. “A Capes tinha em torno de R$ 4,2 bilhões de orçamento, com os cortes, caiu para R$ 3,8 bilhões. No entanto, foi encaminhada para o Congresso a proposta de R$ 2,2 bilhões para o próximo ano. Isso é um impacto dramático no funcionamento da agência. Se não houver reversão no Congresso, vai ser devastador. Uma redução de 48% do orçamento. Estamos falando de mais de 40 mil bolsas canceladas no ano que vem”, critica.
MUDANÇAS
Não é só a questão do financiamento que preocupa os representantes da pesquisa nacional. O governo federal havia anunciado mudanças nos critérios de concessão de bolsas de mestrado e doutorado. A divulgação do novo sistema ocorreu em agosto, com a promessa de ser detalhada e oficialmente apresentada este mês. Na ocasião, os
critérios apontados considerariam IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos municípios de localização das faculdades; teor da pesquisa; nota obtida pelos programas nos últimos anos; além de priorizar áreas consideradas estratégicas pela gestão Jair Bolsonaro, como Saúde e Engenharias, em detrimento de cursos de Ciências Humanas. Bolsas de doutorado também teriam preferência em relação às de mestrado.
No anúncio, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que “quem fizer trabalho sério, receberá. Quem não fizer e não prestar contas, vai receber menos”. A pró-reitora de pesquisa e pós-graduação da Univille (Universidade da Região de Joinville), Therezinha Novais de Oliveira, rebate: “Ninguém entra no curso de pós-graduação para não fazer coisa séria, porque é muita pressão. O Brasil hoje é o 11º produtor de ciência do mundo, tem pesquisa de ponta em todas áreas e tem desenvolvido medicamentos, vacinas, com produção no agronegócio e na indústria, tem muita coisa na área”. Oliveira, que também é coordenadora adjunta da regional Sul do Foprop, vai se reunir, nos próximos dias, com representantes de outras universidades do Sul do País para discutir a crise no setor.
Maria Tarcisa Silva Bega, professora do departamento de sociologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná), comenta que os mecanismos de distribuição é construído entre os pares da Capes e que o governo só está executando. “Os mecanismos de restrição de bolsas foram estabelecidos há tempos pela área. Os programas de nota três, ao serem avaliados, já saberiam que teriam perdas, porque isso é um critério entre pares. Quem não consegue melhorar a nota, fica fora. Isso é meritocrático, duro, não importa se o governo é de direita ou esquerda”, explica.
Ela criticou, à época do anúncio, que a informação chega aos interessados primeiro pela mídia e com pouca documentação aos envolvidos. Apesar da divulgação das mudanças em agosto, a Capes informa que a proposta ainda está em fase de elaboração.