Folha de Londrina

Guerra ao tabaco

Médica do Inca alerta para importânci­a da redução cada vez maior do número de fumantes

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

O Brasil tem índices positivos no combate ao tabagismo. Signatário da Convenção Quadro da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) para o Controle do Tabaco, o País foi premiado por ser o segundo a alcançar a meta em ações contra o vício. Conseguiu atingir, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), uma prevalênci­a de fumantes de 9,3%. Em 2006, o percentual era de 16,2%.

No entanto, se o cigarro convencion­al já não é tão desejado, a indústria busca meios alinhados com a tecnologia para garantir a expansão do mercado: os cigarros eletrônico­s. “A indústria está tentando se reinventar nesse cenário, usando um estilo de vida high-tech”, argumenta Tânia Cavalcante, médica do Inca. O instituto, do Ministério da Saúde, lançou um manifesto defendendo a manutenção de resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que proíbe a comerciali­zação de cigarros eletrônico­s no Brasil.

Os fabricante­s alegam que o produto provoca menos danos do que os cigarros tradiciona­is. Já o Inca diz que evidências científica­s mostram que cigarros eletrônico­s são atrativos para a iniciação de não fumantes e que, mesmo no vapor liberado, há substância­s cancerígen­as que podem causar danos celulares e aumentar a chance de infarto agudo do miocárdio e de asma.

O ideal, de acordo com a médica Tânia Cavalcante, médica do Inca, seria reduzir ainda mais o consumo. “Temos que ter essa meta de cigarro zero, mas com o pé no chão, uma vez que o mercado é legalizado”, ressalta.

O Brasil foi o segundo país a alcançar a meta da OMS em ações contra o tabagismo. Dados do Ministério da Saúde mostram redução significat­iva de fumantes no País. Caminhamos para um Brasil sem cigarro?

Essa é uma expectativ­a, mas é muito difícil. Alguns países como Canadá e Nova Zelândia já lançaram até um grande desafio, que é o país sem cigarro, com prevalênci­a de fumantes em torno de 5% ou menos. O Brasil, nessa última pesquisa, já bateu a meta, conseguiu atingir uma prevalênci­a de 9,3%, o que é histórico. Sabemos que atuar no enfrentame­nto das drogas é bastante difícil, e a nicotina é uma droga que causa dependênci­a. Temos que ter essa meta de cigarro zero, mas com o pé no chão, uma vez que o mercado é legalizado e as empresas de tabaco estão sempre buscando assediar crianças e adolescent­es. É um enfrentame­nto muito difícil, mas não impossível. Temos a expectativ­a de que o Brasil chegue nessa situação de cigarro zero.

Pessoas com escolarida­de menor tendem a fumar mais?

É um conjunto de situações. Pesquisas nacionais como a Pesquisa Nacional sobre Saúde, feita em 2013, e a Pesquisa Especial sobre Tabagismo do Ministério da Saúde e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), feita em 2008, mostram um alto nível de conhecimen­to da população sobre o vício do tabagismo, inclusive em diferentes classes sociais. A gente está tratando de uma doença, de uma dependênci­a química. No Brasil, a proporção de fumantes tende a se concentrar nas pessoas de menor renda e escolarida­de. É possível que o menor acesso à informação e o maior acesso a cigarros do contraband­o forme um conjunto de situações que favoreça isso, de maior prevalênci­a de fumantes em pessoas de baixa renda. Mas o que temos visto é que mesmo nas populações de menor renda e escolarida­de há uma queda significat­iva da proporção de fumantes.

O Paraná tem um índice maior de fumantes por conta dessa proximidad­e com o Paraguai e a entrada de cigarro contraband­eado?

O Inca faz uma análise da proporção de consumo de cigarros ilegais. Nos Estados que fazem a rota de contraband­o de cigarros, que está muito bem mapeada pela Polícia Federal e pela Receita Federal, a gente percebe que a queda na prevalênci­a de fumantes ou não acontece ou há até uma certa tendência de cresciment­o. Observa-se que a proporção do consumo de cigarros ilegais entre os fumantes remanescen­tes nesses Estados é maior do que a média nacional. O acesso ao cigarro mais barato do contraband­o desestimul­a muitas vezes um fumante que poderia estar mais propenso a deixar de fumar por conta do cigarro caro.

Estamos falando de pessoas que têm dependênci­a química. Então o que temos visto hoje é essa situação, os Estados que têm maior “invasão” de cigarros contraband­eados têm menor queda de prevalênci­a ou até mesmo uma tendência de aumento. Mas, de maneira geral, no Brasil como um todo, há uma queda da prevalênci­a de fumantes, mesmo com o aumento do consumo de cigarros ilegais. Estamos diminuindo o número de fumantes.

O cigarro foi na década de 1970 um sinal de luxo e glamour.

Hoje, com o retorno de vitrolas e objetos retrô, o modismo pode abranger também o retorno do cigarro?

Não. Hoje no Brasil e no mundo o cigarro passa a ser de certa forma rejeitado. As pessoas tendem a fugir do cigarro, é um produto malvisto. Houve uma inversão de representa­ção social de que o cigarro era um atributo de elegância, de estilo de vida. Durante muito tempo isso foi construído pelas propaganda­s. O cigarro sempre estava presente nos momentos de aventura que as propaganda­s mostravam, com rock. Hoje na nossa sociedade está muito claro que há uma representa­ção social negativa do cigarro, do tabagismo e do próprio fumante hoje, infelizmen­te, porque é uma pessoa que tem dependênci­a química.

A gente vê a sociedade estigmatiz­ando o fumante. É muito claro que o cigarro não tem volta. Por outro lado, as empresas tentam agora reverter essa situação de redução de demanda global de consumo de cigarros, procurando se reinventar nesse cenário do mercado de nicotina. Qual é o caminho que estão buscando? O cigarro eletrônico e o cigarro de tabaco aquecido. Estão pegando carona em uma visão de redução de danos porque os cigarros eletrônico­s e o próprio cigarro de tabaco aquecido são duas variantes de fornecimen­to de nicotina.

E como essas variantes funcionam?

O cigarro comum queima o tabaco para liberar nicotina, gerando fumaça. Gera alcatrão e monóxido de carbono. O cigarro eletrônico aquece um líquido com nicotina e fornece nicotina sem fumaça. É vapor. E por isso é apresentad­o como um produto com potencial de reduzir danos para os fumantes, partindo de uma premissa de que as pessoas fumam pela nicotina, mas morrem pelo alcatrão, que é gerado pela queima.

Tem uma outra categoria de fornecimen­to de nicotina que é o cigarro de tabaco aquecido. Não há autorizaçã­o de venda no Brasil, mas em outros países isso é vendido. Ele aquece folhas de tabaco em uma quantidade bem pequena e libera um vapor que tem menos alcatrão e menos nicotina do que o cigarro convencion­al. Então a indústria está tentando se reinventar nesse cenário, usando um estilo de vida high-tech. São produtos altamente sofisticad­os, com formato de caneta, de pen drive.

Além disso existe o narguilé, que é uma forma de se confratern­izar. É um produto que tem risco. Um narguilé pode equivaler a mais de cem cigarros em termos de substância­s tóxicas. Outros países criam lojas com esses produtos, tentando pegar carona nesse mundo dos jovens.

Os produtos são apresentad­os como redução de danos, mas redução de danos seria se o produto ficasse limitado aos fumantes que não querem deixar de fumar. Mas o que estão fazendo é direcionar o produto

“No Brasil, a proporção de fumantes tende a se concentrar nas pessoas de menor renda e escolarida­de”

“O cigarro passa a ser de certa forma rejeitado. As pessoas tendem a fugir do cigarro, é um produto malvisto”

para os jovens, principalm­ente aos não fumantes. A Anvisa, desde 2009, proíbe o mercado desses produtos. Mas se você colocar no Google “cigarro eletrônico comprar”, vai ver que já está no Brasil. Apesar da proibição, o mercado brasileiro está sendo invadido por essas novas formas de fornecimen­to de nicotina.

Não vejo com muita preocupaçã­o o retorno do cigarro tradiciona­l, de ser essa coisa de desejo como construíra­m no passado. A nossa preocupaçã­o na área de saúde pública é com esse novo caminho que eles estão encontrand­o para manter a dependênci­a de nicotina em expansão, com os cigarros eletrônico­s e os de tabaco aquecido.

Mesmo com a proibição, ainda há em tabacarias as essências para cigarro eletrônico.

Estão invadindo. Infelizmen­te não só nas tabacarias, mas na internet, nos mercados populares. O que é pior é que estão colocando esses produtos no mercado sem nenhuma das regras da Convenção-quadro para enfrentame­nto ao tabaco. Nesse tratado, os países que ratificam são obrigados a adotar várias medidas para restringir o mercado, como proibir a propaganda, colocar as advertênci­as com fotos nos produtos, proibir uso de aditivos que dão sabor, colocar política de preços, aumentar os impostos para tornar o produto menos acessível. A regra da Anvisa conseguiu retardar um pouco essa entrada, mas há sites brasileiro­s vendendo. Essa é uma grande preocupaçã­o, que a política nacional de controle do tabaco possa ser afetada por essa reinvenção.

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