Apaixonado por hakespeare
Na semana passada, morreu Harold Bloom, um dos mais importantes críticos literários do nosso tempo. Ao receber a triste notícia, imediatamente pensei em meu pai, leitor de Bloom e Shakespeare. Vasculhando o fundo da gaveta, encontrei a cópia datilografada de uma crônica que Paulo Lourenço escreveu há exatos 20 anos.
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“Indicado em várias categorias do Oscar de 1999, o filme “Shakespeare Apaixonado” faz jus à fama: roteiro, trilha sonora, figurinos, reconstituição de época, interpretação e fotografia primorosos compõem essa comédia deliciosa, como há muito não se via.
Roteiristas e diretor arriscaram ao retratar um jovem William Shakespeare flamante e romântico, muito distante do intelectual circunspecto que se poderia imaginar.
Os diálogos do filme são outro ponto que merece destaque, com inteligentes e continuadas inserções de falas pinçadas das peças originais de Shakespeare.
O resultado final é ótimo e a óbvia fantasia da trama não chega a chocar, já que, pouco se conhecendo da vida do poeta e dramaturgo inglês (morto há quatro séculos), esse amplo espaço para a ficção foi explorado com humor e leveza respeitosos. Resumindo e confirmando a opinião da crítica, ‘Shakespeare Apaixonado’ é diversão de primeira e pode ser apreciado mesmo por quem não conhece os textos do escritor.
Mas depois do cinema há o chopinho. E nessa conversa no bar, em que eu e meu filho trocamos impressões, surgiu a indagação a respeito do que teria achado da irreverência do filme (se é que já o viu) o professor e crítico americano Harold Bloom.
De fato, no livro ‘O Cânone Ocidental’ (publicado no Brasil em 1995 pela Editora Objetiva), sucesso de É crítica e de vendas no mundo inteiro, Bloom traça um criterioso painel da literatura e dos autores de todos os tempos.
No Cânone (a palavra originalmente significa lista de santos da Igreja), Bloom elege e estuda em profundidade os vinte e seis maiores escritores do mundo.
Pois bem. E quem está no topo do cânone, o maior de todos os escritores segundo Bloom, em posição privilegiada e que talvez jamais venha a ser atingida por nenhum outro? É, lógico, William Shakespeare, o bardo de Stratford do filme.
Para que você, leitor, tenha uma ideia do grau de endeusamento (paixão, como sugere o título da crônica, é pouco) que o crítico confere a Shakespeare, Bloom chega a afirmar: “Shakespeare, que dificilmente se apoia na filosofia, é mais fundamental para a cultura ocidental que Platão e Aristóteles, Kant e Hegel, Heidegger e Wittgenstein.”
Como se não bastasse, o professor acaba de lançar mais um livro de crítica literária (já sucesso de vendas nos Estados Unidos) com o sugestivo título de ‘Shakespeare: A Invenção do Humano’.
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Ao reler essa crônica, tive a alegre sensação de conversar com Paulo Lourenço outra vez. Por sinal, você pode encontrar “O Canône Ocidental” e “Shakespeare: A Invenção do Humano” em nossa Biblioteca Municipal. Ambos os livros foram doados por meu pai. Que saudade.
No fundo da gaveta, achei uma crônica de meu pai sobre o grande crítico shakespeariano Harold Bloom