Folha de Londrina

Mais mulheres do que homens

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A aposentada Odete Costa, 64 anos, é natural de Florestópo­lis. Ela foi a EJA em busca de independên­cia. “Estava me sentindo mal porque queria preparar uma receita e não sabia ler. Queria usar o celular e não conseguia.” Assim, em 2017, veio a iniciativa que mudou a vida da aposentada. “Agora já faço receitas e já sei mandar bom dia pra todo mundo no whatsApp”. Afiada e letrada, a aluna recorda o dia em que fazia um trabalho em casa e se deu conta que estava lendo naturalmen­te. “Minha neta falouqueeu­estavalend­oeme senti realizada. Agora sou outra”. Para quem ainda tem dúvida se volta ou não para os bancos escolares, Odete convida: “Saber assinar o nome é uma coisa muito importante”.

Mãe de quatro filhos, revela uma frustração: “Nunca pude ajudar meus filhos na tarefa de casa”. A aposentada conta que até os 13 anos morou em uma fazenda em Salinas/MG. “Meu pai só colocou os filhos homens na escola. Eu casei com 16 anos e meu marido também não permitiu. Dizia que escola não era lugar de mulher casada.Euviaocade­rnodomeu irmão Alcídio e um dia tentei fazer a letra “o”. Me pai viu, quis me bater e isso me bloqueou. Na primeira etapa da EJA, hoje Odete tem até seu cantinho para estudo em casa, fica perto da máquina de costura.

“Gosto de estudar concentrad­a, até parece que não tem ninguém em casa, mas é porque estou estudando. Meu sonho agora aprender a ler a Bíblia”.

Perto de completar 80 anos de idade, Maria Aparecida Martins é a mais madura da sala de aula. Quando chega para escola no jardim Mister Thomas é noite e ela já fez uma porção de tarefas em casa. Cuida da roupa, da louça, da comida e das plantinhas do jardim. De suas rosas, admiradas por quem passa, fala com muito carinho. Foi por meio do chamamento público que se sentiu motivada a aprender a ler e escrever. “Vim no dia seguinte. Já seioalfabe­to,conheçoasl­etras e agora só falta juntar”. Sem luxos no passado, dona Aparecida conheceu o trabalho na roça muito menina e depois emendou como camareira na cidade. Hoje, o prazer da vida não está só nos filmes que gosta de ver na TV, a escola é ligar de convívio e aprendizad­o: “Aqui a hora passa rapidinho”.

TRABALHADO­R NÃO TEVE ACESSO AOS ESTUDOS

O padeiro aposentado Hélio Borges Batista, 68 anos, também integra a EJA e encara o letramento como um divisor de águas. Assíduo, já viajou até para o exterior e considera que suas perspectiv­as foram outras, após inciar os estudos. “Eu não tive oportunida­de mesmo. Nasci na Bahia e embora o pai matriculas­se a gente na escola, a gente tinha que ir para a colheita. Ia dois meses e interrompi­a e não concluí nada”. A formação como padeiro foi totalmente prática, mas Batista chegou a perder oportunida­des porque não sabia ler. “Eles me deramavaga,maseunãoco­nsegui continuar porque não era tudo que eu sabia de cabeça. Na hora que tinha que ler, simplesmen­te não conseguia.” Sem uma falta na caderneta e empenhado, Batista conta que até os esquecimen­tos que antes incomodava­m, passaram. “É uma satisfação ir nos lugares, poder ler o cardápio, entender o que está escrito nos outdoors e reconhecer o nome das ruas”.

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Divulgação Maria Aparecida Martins, 80 anos, é a aluna mais velha da sala, ela recebeu em casa um convite para estudar na EJA
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Walkiria Vieira

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