Folha de Londrina

A aventura do Secos & Molhados

- Thales de Menezes

São Paulo - A aventura musical e cultural do Secos & Molhados vai virar série de TV. O diretor e escritor Miguel de Almeida trabalha para que o projeto seja exibido pelo Canal Brasil no segundo semestre de 2020. Almeida é autor de “Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados”, biografia do grupo lançada em julho pelo Três Estrelas. A versão para a TV, assim como o livro, não deve ficar restrita à trajetória da banda, mas também deve mostrar a efervescên­cia cultural do início dos anos 1970.

“Hoje existe mais material sobre a década de 1980, mas nesse período a arte foi mais conformist­a. Os anos 1970 tiveram mais transgress­ão, foram roqueiros”, diz o cineasta. Além do sucesso nacional que o Secos & Molhados atingiu com apenas dois álbuns, o documentár­io vai falar tamàs bém de Dzi Croquettes, do Teatro Oficina e da cena roqueira paulistana da época, comandada pelo Made in Brazil.

“Essa combinação de música com cenário político e social faz parte do DNA do canal, e está embutida em vários projetos da casa”, diz André Saddy, diretorger­al do Canal Brasil. “Não é possível isolar a música do contexto histórico, principalm­ente no caso do Secos & Molhados, surgido na ditadura.”

Almeida também destaca a ruptura trazida pelo grupo. “Ney Matogrosso entrou rebolando de tapa-sexo na sala da família brasileira durante o regime militar. Trouxe algo sensual e político para a macarronad­a de domingo, porque rapidament­e as crianças e os idosos se tornaram fãs.”

No comando do canal desde dezembro, Saddy lembra que há uma ligação “pessoal” entre o Secos & Molhados e o Canal Brasil. Seu antecessor no cargo foi Paulo Mendonça, amigo próximo da banda e parceiro na composição de um de seus maiores hits, “Sangue Latino”.

A série, com produção de Marcelo Braga, terá quatro episódios e entrará em todas as plataforma­s do canal. “Vamos usar material de época e depoimento­s”, diz o produtor.

Miguel de Almeida conseguiu o apoio dos três ex-integrante­s (Ney Matogrosso, Gerson

Conrad e João Ricardo), uma façanha, dado o passado de animosidad­es que levou ao fim prematuro do grupo após dois anos. “Quero levar os integrante­s de volta aos lugares marcantes na história da banda, como o teatro Ruth Escobar, onde começaram”, conta o cineasta.

O Secos & Molhados foi criado pelo músico português João Ricardo, radicado no Brasil, com uma primeira formação sem repercussã­o. O rumo certo veio como um trio, em 1972, com João, seu amigo de adolescênc­ia Gerson Conrad e Ney Matogrosso, hippie com pretensões a ator indicado por uma amiga, a cantora Luhli.

O primeiro disco, de agosto de 1973, foi turbinado pela aparição no “Fantástico”, recém-estreado na Globo, com a figura andrógina e a voz peculiar de Ney fazendo estardalha­ço. A contundênc­ia das músicas do Secos & Molhados ganhou o público.

O disco que leva o nome da banda chega em alguns meses à marca de 1 milhão de LPs vendidos. O grande nome do mercado era então Roberto Carlos, que liderava as paradas vendendo cerca de 300 mil discos por ano. Numa obra que mistura rock inglês, fado e música brasileira, várias faixas vão rádios –”Sangue Latino”, “O Vira”, “Rosa de Hiroshima”, “Primavera nos Dentes”, “Mulher Barriguda”.

O livro também conta como o clima entre os músicos da banda se deteriorou. João Ricardo quis pôr Ney e Gerson Conrad como músicos contratado­s. “Do jeito que está vou ser empregado do grupo que ajudei a criar. Essa merda eu não assino”, declarou Ney. Conrad também se recusou.

O segundo álbum foi gravado com Ney já decidido a deixar a banda. Em agosto de 1974, o clipe de “Flores Astrais”, único hit, foi lançado no “Fantástico”, seguido do anúncio da separação. O LP não fez o sucesso do disco de estreia.

Ney e Conrad partiram para carreiras solo. João Ricardo insistiu em outras formações do Secos & Molhados, sem nunca repetir o mesmo sucesso. Lançou seis álbuns com o nome da banda até 2011, com um único hit, “Que Fim Levaram Todas as Flores?”, de 1978.

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