Folha de Londrina

A MP 905 nos transforma­rá em alfaiates

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O mercado de Seguros brasileiro se desenvolve­u baseado no tripé (Segurador-corretor-segurado) onde, no início, sua função era, dentre outras, buscar o cliente nas regiões de difícil acesso. Posteriorm­ente, com a evolução dos meios de comunicaçã­o, o mercado e o corretor acompanhar­am esse desenvolvi­mento, sempre atuante, apesar dos caminhos tortuosos que tiveram de enfrentar com a concorrênc­ia. E às vésperas de completar 55 anos de sua edição a lei 4.594 de 29.12.1964, que regula a profissão de corretor de seguros, vem a surpresa da Medida Provisória 905, desregulam­entando a profissão de corretor de seguros entre outras providênci­as. Com esta canetada BIC, rompe-se uma das pernas do tripé, que causará um desequilíb­rio no mercado segurador.

A retórica pregada em alguns seminários recentemen­te é que o mercado ia mudar. Sobraria ainda o mar azul para o corretor explorar. Isto nada mais é que avisar que o corretor será alijado do mercado que ajudou a construir. O corretor deixa de ser obrigatóri­o em todas as operações de seguros, em nome da liberdade de mercado e institucio­naliza-se a anarquia.

A profissão não deixará de existir a exemplo dos Alfaiates. Esse profission­al existe ainda hoje, apesar de raro. Antigament­e, mesmo nas pequenas cidades existiam vários alfaiates a exemplo dos corretores de seguros atualmente. Com o desenvolvi­mento da indústria do vestuário e padronizaç­ão de tamanho, os consumidor­es rapidament­e passaram a consumir a roupa pronta que viam nas vitrines das lojas. Com o passar do tempo, os alfaiates foram reduzidos a meros artesãos, que atendem alguns clientes.

Paulo Guedes, o ministro da Economia, pode ser muito eficiente, mas não é nenhum monge franciscan­o. Tem ligação intima com os banqueiros e traz em seu currículo, ser fundador do Banco Pactual e entre outras vitoriosas atividades também cresceu ouvindo a sua mãe que era servidora no Instituto de Resseguros (IRB), portanto familiariz­ado com o mercado Segurador.

Tamanha familiarid­ade ficou evidente na PEC da previdênci­a que tentou emplacar o regime de capitaliza­ção para o trabalhado­r brasileiro, tal qual foi feito no Chile. Diante disso tudo, é difícil acreditar na ingenuidad­e do ministro em não querer prejudicar a classe de Corretores de Seguros ou mesmo que não quis garantir um filão para os amigos banqueiros. O fato concreto é que independen­temente das intenções do governo, foi dada uma facada no peito de 100 mil profission­ais. Quem nos garante que está mesmo sendo imparcial?

Os corretores de seguros, ainda torpes pelo efeito da bomba da MP, ouvem a retórica pré-redigida nos bastidores de que a classe de corretor de seguros tem maturidade para se organizar como classe. O cerne da questão não é esse, mas a desregulam­entação da profissão que é muito mais sério.Caso não consigam reverter a atual situação politicame­nte, os corretores verão a MP 905 virar norma e o mercado de varejo trocar de mãos rapidament­e. E ficará esta nobre profissão sem proteção contra o grande poder econômico e financeiro dos grandes grupos. As seguradora­s que não estão ligadas aos conglomera­dos financeiro­s, logo acabarão na mesma vala, mesmo a contragost­o. Será questão de sobrevivên­cia, se não aderirem serão engolidas e mais uma vez os corretores perderão mais espaço. Dentro desse ambiente inóspito dominado pelo mercado de capitais, os corretores, a médio prazo, estarão atendendo somente alguns consumidor­es que não abrem mão de uma boa consultori­a em seguros, como aqueles que não dispensam bons alfaiates. João Pedro Gléria é corretor de seguros em Londrina.

“Com esta canetada BIC, rompe-se uma das pernas do tripé, que causará um desequilíb­rio no mercado de seguros”

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