Discussão local sobre assédio sexual ganha projeção nas redes sociais
Seriedade do tema pode acabar criando um clima de “denuncismo” virtual
Enquanto moradores de Londrina ainda “digeriam” as notícias acerca de um mandado de busca a apreensão na cidade no escopo do inquérito que investiga a disseminação mecanizada de notícias falsas, outro “fenômeno” nascido nas redes sociais foi capaz de colocar o município entre os assuntos mais comentados no Twitter na tarde desta quinta-feira (28). Com o intuito de incentivar denúncias de assédio sexual e expor agressores, uma “hashtag” chegou a ser o segundo assunto mais comentado do País na rede social voltada para fotos, vídeos e pequenos textos e passou a ser praticada, também, por usuários de outras cidades, como Joinville (SC).
O movimento virtual, nascido em Curitiba nesta semana, retoma uma série de discussões que perpassam o fortalecimento da rede de apoio às vítimas e a educação sexual nas escolas, uma vez que a maioria dos relatos foi publicada por adolescentes e até professores aparecem como responsáveis por colocarem alunas em situações constrangedoras.
“O tema tem que ser tratado nas escolas, temos que tratar do tema da violência sexual. Crianças e adolescentes precisam apreender que ninguém pode encostar neles sem a vontade deles. Falam que isso está estimulando as crianças a fazerem sexo, mas não, é orientação”, reforçou a delegada da Mulher de Londrina, Magda Hofstaetter.
Questionada se a Polícia Civil vai entrar em contato com as autoras dos relatos ou investigar os agressores que tiveram os nomes expostos, pelo menos 42 homens, Hofstaetter, esclareceu que não, e aproveitou para reforçar que o correto é registrar um Boletim de Ocorrência. “Isso é temerário porque muitas postagens são feitas por outras pessoas que não as vítimas, até para se evitar problemas futuros tanto para elas quanto para as instituições”, esclareceu.
Sobre este tema, a FOLHA também entrou em contato com uma adolescente de 16 anos que foi uma das primeiras a compartilhar relatos de vítimas de Londrina, entretanto sem divulgar os nomes dos agressores. Ela diz ser favorável à prática. De acordo com a jovem, alguns perfis foram criados e passaram a receber ameaças dos supostos agressores. Algumas destas ameaças, em áudios e imagens de conversas, também têm sido compartilhadas.
Questionada, a jovem informou que a maioria das vítimas relata ter medo de levar os casos aos cuidados da Justiça. Outras dizem que procuraram ajuda na diretoria das escolas e nada foi feito. Entretanto, “ao verem várias denúncias e se identificarem com os relatos, elas tiveram a coragem e apoio que nunca tiveram antes”, disse a jovem.
Ao mesmo tempo, o tema pode ganhar um caráter de denuncismo, o que pode expor inocentes a linchamento virtual. A jovem concordou que alguns nomes podem ter sido incluídos nas “listas” de supostos agressores sexuais por conta de brincadeiras de amigos, o que prejudica a discussão sobre o tema e configura outro crime, o de denunciação caluniosa.
“Violência sexual não é brincadeira, não é piada. Esse movimento não deve ser usado dessa forma”, lamentou a delegada Magda Hofstaetter ao lembrar que existem pessoas que ainda tratam crimes sexuais como delitos de “menor importância”.
A Delegacia da Mulher de Londrina recebeu 19 denúncias de estupro entre janeiro e abril deste ano. Além disso, a reportagem também apurou que o Ministério Público ofereceu 90 denúncias de crimes sexuais à 6ª Vara Criminal de Londrina nos últimos 12 meses. Entretanto, esses números estão longe de revelar o número total de ocorrências e a gravidade do problema definido, muitas vezes, como fruto de uma “cultura do estupro”.
Para que uma denúncia seja efetiva, lembrou o promotor Ronaldo Costa Braga, ela precisa chegar até o sistema de Justiça com o máximo de detalhes possível, entretanto, a palavra da vítima terá grande valor uma vez que, na maioria dos casos, é a única “testemunha” do crime. Braga também lembrou que o trabalho informativo com a população é muito importante já que 70% dos crimes são praticados por familiares das vítimas. “A exposição de casos de violência sexual pode encorajar outras mulheres a realizarem a denúncia, mas cada caso deverá ser investigado segundo os trâmites legais”, ressaltou.
Em junho do ano passado, estudantes de um colégio da rede estadual realizaram um protesto após a deflagração da Operação Predadores na Rede, que cumpriu dois mandados de busca e apreensão nos bairros Capão Raso e Santa Quitéria, em Curitiba, contra um técnico de eletrônica e um professor da escola. Nesta época, um perfil no Instagram já havia sido criado pra dar vazão aos relatos e conta com mais de 900 seguidores.