Crise provoca maior procura por matrículas em escolas municipais
Em Londrina, transferência de alunos oriundos da rede privada aumentou quase oito vezes após a pandemia. Situação se repete em cidades da região. Especialistas aconselham pais a buscarem acordo para evitar impactos para as crianças
Planejar, recalcular, reduzir gastos. Muitas vezes os cortes chegam até a educação dos filhos. Diante da crise financeira causada pelo novo coronavírus, pais e responsáveis tomaram a decisão de transferir as crianças da rede particular de ensino para as unidades públicas. Municípios do Norte do Paraná já registraram aumento da procura e monitoram o crescimento para se ajustar à nova demanda.
Em Londrina, o número saiu de 8 a 10 transferências ao mês no ano anterior para 65 em abril e 78 em maio. “Não há previsão se vai aumentar ou diminuir, a gente percebeu um aumento nos últimos meses, tudo depende da evolução da pandemia. Vamos esperar isso acabar e entender como as famílias terão reagido, porque, na verdade, as pessoas estão saindo da rede particular porque perderam empregos, diminuíram a renda, é isso que elas relatam aqui”, afirma Maria Tereza de Moraes, secretaria municipal de Educação.
Crianças com mais de 4 anos têm direito ao ensino público e gratuito, portanto, a secretaria informa que elas têm vaga garantida em virtude da obrigatoriedade do atendimento. No entanto, as vagas serão ofertadas conforme disponibilidade de local e período. “As escolas da região central são as mais procuradas nesse momento”, afirma. Atualmente, a rede municipal de educação de Londrina possui 45 mil alunos distribuídos em 121 unidades municipais e 54 filantrópicas.
A situação não é exclusiva da cidade. Em Cambé, a secretaria municipal de Educação começou a perceber aumento na procura por vagas neste mês. São pais que não querem continuar pagando a mensalidade em escolas particulares sem a certeza da validação do ano letivo e de que o filho vai aprender. “Até abril os pais ainda estavam com a expectativa de que as aulas voltassem até julho, talvez agosto. Mas começaram a desistir de esperar”, avaliou a secretária de Educação, Cláudia Codato.
A rede municipal não tem levantamento do aumento da demanda, mas há procura tanto por vagas no ensino fundamental quanto na educação infantil. “Entre zero a três anos, não existe a obrigatoriedade.
Para os mais velhos, o município vai ter que criar vaga pela obrigatoriedade”, disse Codato.
Desde o início deste mês, a Secretaria Municipal de Educação de Rolândia também observou crescimento da demanda por vagas na rede. Foram cerca de 25 solicitações neste mês. “Essa quantidade ainda conseguimos atender, mas se crescer muito, podemos ter problemas”, afirmou a diretora de Ensino, Silvia Unbehaun. Ela ressaltou, no entanto que nem todas as crianças vão conseguir vagas em unidades escolares próximas da residência e no turno desejado em razão de restrições na oferta.
“Temos poucas vagas. Se houver uma debandada (das escolas privadas), não vamos atender nem 20%”, calcula a secretária municipal de Educação
de Ibiporã, Maria Margareth Coloniezi. Ainda não há um levantamento do número de solicitações, que começou a crescer em maio. Na semana passada, a secretaria começou a fazer o agendamento para atender os pais que querem transferir os filhos para as escolas municipais. Os atendimentos são feitos às segundas e quartas-feiras. “Algumas vagas ainda temos do primeiro ao quinto ano, mas não são exatamente no bairro de moradia das pessoas que estão solicitando. Ofertamos onde nós temos. Explicamos isso aos pais. Alguns recuam, outros mantêm a solicitação.”
Em Cornélio Procópio, houve um aumento por consulta de transferência, porém, poucas matrículas foram efetivadas. “O número maior foi na educação infantil (4 e 5 anos), em que foram efetivadas cerca de 20 novas matrículas. No ensino fundamental, tivemos cerca de 10 novas matrículas, todas provenientes de escolas particulares”, explica Maria Lígia Funari, secretária municipal de Educação. Ela comenta que, inicialmente, os responsáveis tiveram bastante interesse, mas que após o impacto inicial da pandemia, alguns podem ter feito acordos nas escolas particulares que possibilitaram a permanência dos filhos.
Luiz Roberto dos Santos, secretário municipal de Educação de Arapongas, comenta que houve aumento e que aproximadamente 20 pessoas procuraram a secretaria para a transferência de escolas particulares, quantidade pouco maior que o mesmo período do ano passado. “Se a procura continuar se mantendo nessa média, o município consegue atender a demanda”, explica.
Rosana Pereira Lopes, professora do departamento de Educação da UEL (Universidade Estadual de Londrina) defende ações sociais que construam um sistema com base no apoio da sociedade, unindo setor público, privado, pais, pois, no cenário atual, nesse momento, acredita que o ideal é que a criança permaneça onde está.
“A simples transferência não vai resolver o problema, vai agravar, porque é um problema maior, mais fundo. A educação, como instituição social, precisa de apoio provindo das bases do governo federal. Veio apoio a plano de saúde, a banco, às empresas, mas a escola é um direito público subjetivo e inalienável. Se o sistema privado, na pior das hipóteses, sofrer 30% de perda, é pouco provável que a rede estadual e municipal consiga absorver isso”, afirma.
Lopes aponta que trocar a criança de escola impacta a própria família, o poder público, a escola que perdeu o aluno e, principalmente, a criança que sofre a alteração. “A gente está falando de rompimentos de laços sociais, emocionais e cognitivos diante de uma situação que crianças e adolescentes já estão sofrendo com o rompimento inesperado com a suspensão das atividades presenciais da escola”. “O cognitivo não está desvinculado das questões emocionais e sociais”, acrescenta.
Ela cita que outros países que estão retomando as atividades já apresentaram sintomas de estresse pós-traumático. “Se crianças retornando às suas escolas podem apresentar essa característica, imagina mudando de escola, em que ela não assimilou a despedida, guardando a afetividade de rever as pessoas que conhece, o ambiente que ela conhecia passa a ser diferente. Ansiedade, agressividade, depressão geram dificuldade de concentração, que leva à dificuldade de aprendizagem de um aprendizado que já está em prejuízo”, aponta.
No âmbito das escolas particulares, a professora cita o impacto, quando parte delas teve investir para atuar no ensino remoto e que, mesmo com o retorno das aulas, terão gastos com segurança sanitária, como maior fluxo de limpeza, distribuição de EPIS e higienização, por exemplo.
No ensino público, menciona que em um período regular há investimento médio de R$ 4.500 por aluno. “Em Londrina, se somarmos os dois últimos meses de transferência (abril e maio), temos 143 crianças, que até o final do ano terão custo de R$ 650 mil. Imagina o que virá quando o próprio sistema público terá que enfrentar para garantir segurança sanitária a todos?”, questiona.
Aprofundando-se ao tema, a professora demonstra que o problema das transferências não é só econômico e, ainda que fosse, é mais profundo que somente a troca de unidade escolar. Com o tempo, a escola pública pode levar a culpa por não oferecer ensino de qualidade, quando não há investimento para que ela supere o momento e nem tenha estrutura para absorver toda a demanda.
A professora cita que a educação é um direito de todos, dever do estado, com garantia a partir de zero ano e obrigatoriedade a partir dos 4 e que é preciso que a situação não seja resolvida de forma individual, mas que a sociedade se atente ao problema, que é maior, tem reflexos econômicos e sociais agora e no futuro.
A simples transferência não vai resolver o problema”
Estamos falando de rompimentos de laços sociais, emocionais” Ideal é que a criança fique onde está, diz especialista