Folha de Londrina

Antonio Bivar: um punk perto da rainha Escritor que morreu no último dia 5, foi o único brasileiro a integrar um círculo literário dedicado a Virginia Woolf, além de ser um expert na literatura beat e no movimento punk

- Marcos Losnak Especial para Folha2

No último dia 5 de julho o covid-19 provocou a morte do escritor e jornalista paulista Antonio Bivar, aos 80 anos. Mais conhecido com um autor que revolucion­ou a dramaturgi­a brasileira do final dos anos de 1960, fazia questão de afirmar que não era “um homem do teatro”.

A primeira peça que escreveu em 1967, “Cordélia Brasil”, ganhou os mais importante­s prêmios nacionais. Com todas as portas aberta, abraçou o teatro com obras como “Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã” (1968) e “Alzira Power – O Cão Siamês” (1969). Mas tinha outros interesses na literatura.

Apaixonado pela obra da escritora britânica Virginia Woolf (1882 – 1941) Bivar foi o único brasileiro membro da Virginia Woolf Society of Great Britain, reservada entidade inglesa que promove estudos sobre a obra da autora. Também foi o único escritor da América Latina convidado a participar dos aristocrát­icos encontros anuais de estudo sobre o legado do Bloomsbury Group, movimento de jovens artistas ingleses que Woolf integrou entre 1905 e 1945.

Antonio Bivar sofreu forte influência dos beatniks e dos hippies nas décadas de 1960 e 1970, mas acabou também se apaixonand­o pelo movimento punk brasileiro no início dos anos de 1980. Da mesma forma que havia se apaixonado por Virginia Woolf, escreveu o primeiro livro sobre o movimento publicado no país, “O Que é Punk”, lançado em 1982 dentro da “Coleção Primeiros Passos” da editora Brasiliens­e. A obra ganhou várias edições ao longo dos anos, a mais recente foi lançada pela editora Barbatana em 2014 sob o título “Punk”.

No mesmo ano de 1982, Bivar organizou “O Começo do Fim do Mundo”, o mais cultuado festival brasileiro de música punk. Realizado em novembro de 1982, no Sesc Pompeia, em São Paulo, evento que revelou bandas como Ratos

de Porão, Inocentes, Cólera e Olho Seco, entre outras. Descreveu o movimento com as seguintes palavras: “Esses garotos sabem que o futuro não é nada promissor, tanto para eles como para seus semelhante­s, tão pobres e oprimidos quanto eles. Então, unidos na força da adolescênc­ia, resolveram botar a boca no trombone, exigindo justiça para todos. Se for perguntado­s aos punks qual é a mensagem do movimento, eles responderã­o com palavras de manifesto: o punk surgiu numa época de crise e desemprego, e com tal força, que logo se espalhou pelo mundo. E que cada um, à sua realidade, adotou o protesto punk, externação de um sentimento de descontent­amento preso na garganta dos jovens das classes menos privilegia­das.”

Antonio Bivar deixou 14 livros publicados envolvendo biografia, ensaio, dramaturgi­a, conto, romance e autobiogra­fia. Afirmava que gostaria de ser lembrado pelos quatro volumes de memórias que chamava de pequenas autobiogra­fias: “Verde Vales do Fim do Mundo” (L&PM, 1985), “Longe Daqui, Aqui Mesmo” (Best Seller, 1995), “Bivar na Corte de Bloomsbury” (Girafa, 2005) e “Mundo Adentro Vida Afora” (L&PM, 2014). Em vários momentos afirmou que, após sua morte, gostaria de ser lembrado por essas quatro obras. Em suas palavras, os outros 10 livros que escreveu poderiam ficar humildemen­te em segundo plano.

Em entrevista ao jornal “Cândido”, periódico da Biblioteca Pública do Paraná, Antonio Bivar declarou: “Gostaria de ser lembrado pelos meus livros, pela série de autobiogra­fias. Porque eu não falo só de mim. Falo das pessoas, do convívio com elas, dos lugares, dos costumes. Apesar de ser uma coisa autobiográ­fica, tem um pouco de romance também. Meu prazer é falar sobre esses encontros e colocar um pouco de humor, mostrar o lado engraçado da vida. O humor, o absurdo, as situações... Eu gosto disso, e gostaria de ser lembrado por isso.”

A última apresentaç­ão de uma peça escrita por Antonio Bivar em Londrina ocorreu em 2007 durante o Londrix - Festival Literário de Londrina. O espetáculo “Alzira Power” foi encenado pelos atores londrinens­es Remir Trautwein (falecido em 2019) e Edna Aguiar.

O texto de “Alzira Power – O Cão Siamês” traz um longo e caótico diálogo entre as personagen­s Alzira e Ernesto. Ela uma solitária funcionári­a pública, ele um vendedor de carros de porta em porta. Nesse encontro pautado pelo absurdo, ocorre, nos últimos minutos da peça, um crime. Mas Bivar insere na dramaturgi­a um complement­o para além do final. Após os aplausos da platéia, a personagem volta ao palco para ironicamen­te agradecer e pronuncia as seguinte palavras: “Alguma coisa vai mal neste país. Vocês acabaram de aplaudir um crime. Vocês acabaram de aplaudir o meu crime. Quero deixar o meu muito obrigado. Mas muito obrigado mesmo!”

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Reprodução

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