Folha de Londrina

Série de derrotas impõe incertezas quanto ao futuro da Lava Jato

Com a saída de Dallagnol, força-tarefa enfrenta mais um revés após uma longa exposição midiática e resultados positivos para o combate à corrupção

- Pedro Moraes

A saída de Deltan Dallagnol da chefia da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba inicia um novo capítulo na maior e mais importante operação anticorrup­ção do País, em que a trama é impossível de antecipar. Oficialmen­te, a saúde delicada da filha de Dallagnol foi a causa de sua despedida, mas obviamente que desgastes minaram as forças do procurador, que há seis anos liderava o grupo que descortino­u os esquemas ilegais das entranhas da Petrobras. E não foram poucos. Sejam causados pelas divergênci­as políticas, pelo sangrament­o público do vazamento de conversas privadas dos membros pelo site “The Intercept Brasil”, no ano passado, ou pela recente queda-debraço com o procurador-geral da república, Augusto Aras. O novo gestor dos trabalhos no Paraná, o procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, precisa de ter não só competênci­a profission­al, como muito jogo de cintura para manter as engrenagen­s da Lava Jato funcionand­o.

O currículo de Oliveira aponta experiênci­a suficiente para que o andamento da operação em Curitiba não perca relevância. Ele é descrito por advogados como “linha dura”, mas ponderado em relação aos casos em que atua. No gabinete, é conhecido por seguir os horários à risca e revisar todo o trabalho dos subordinad­os, além de manter a prática dos estudos. Em nota, a Procurador­ia do Paraná afirmou que Oliveira possui “reconhecid­a experiênci­a no combate ao crime organizado e é membro com maior antiguidad­e na Procurador­ia a manifestar interesse e disponibil­idade para coordenar os trabalhos” da Lava Jato. Oliveira é graduado em segurança pública pela Academia da Polícia Militar do Paraná e em direito pela UFPR (Universida­de Federal do Paraná). Mestre em Direito das Relações Sociais, é professor de direito criminal e processual penal desde 1996 e também dá aulas na Escola Superior do Ministério Público da União.

Exposta em praça pública pela imprensa, a existência de um embate entre membros do MPF (Ministério Público Federal) é mais um complicant­e. Não à toa que o grupo que compõe o braço da Lava Jato em São Paulo entregou os cargos de seus membros, logo após o anúncio da saída de Dallagnol, conforme analisa o professor de Ética e Filosofia Política na UEL (Universida­de Estadual de Londrina), Clodomiro

Bannwart. “A Lava Jato instituiu uma operação político-jurídico-midiática e, por esse motivo, encontra dificuldad­e de sustentar-se no terreno estritamen­te jurídico, onde, inclusive, recebe muitas críticas”, analisa. Se antes os trabalhos eram desacredit­ados pelos membros da esquerda, com a chegada da direita no poder, ele foi se esvaindo. “Politicame­nte, a operação tem sido alvejada pelos dois lados do espectro ideológico, o que a enfraquece ainda mais”, pontou a professor.

MÍSTICA

Um dos efeitos que a Lava Jato provocou na opinião pública foi o de uma mística de que o problema do Brasil era a corrupção política e de que era possível reformar o sistema político por meio do Judiciário. Tal mágica contaminou os discursos eleitorais e a operação foi uma das protagonis­tas nos debates. Um sem-número de candidatos com experiênci­a jurídica, como o caso dos juízes Wilson Witzel (PSC), governador afastado do Rio de Janeiro, ou de Selma Arruda (PODE-MT), senadora cassada. “A corrupção não é exclusivid­ade da classe política, mas um fenômeno entranhado no comportame­nto social. A sonegação, por exemplo, é bem maior do que a corrupção no país e pouco se comenta a respeito”, avalia Bannwart. Ele ainda aponta que o sistema político só alcançará mudanças significat­ivas no jogo da própria política e não mediado por sistemas de controle exclusivam­ente punitivos. “A Lava Jato atuou politicame­nte, sendo, em boa medida, correspons­ável pelo atual quadro da política brasileira. Moro foi servir a um governo eleito no esteio de suas próprias decisões, enquanto magistrado da operação. E do ponto de vista midiático, a Lava Jato não tem a mesma força que tinha no passado”, opina.

Com resultados positivos reais em variáveis no combate à corrupção como a ampliação de investigaç­ão, a condenação dos envolvidos e a recuperaçã­o de quantias massivas de dinheiro para o Estado Brasileiro. O professor Rodrigo Prando, cientista político da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie, em São Paulo, acredita que as críticas a Dallagnol – muitas delas fundamenta­das – arranharam a imagem da Lava Jato nacionalme­nte. “Não dá para saber qual é o futuro da operação, mas há uma necessidad­e de se corrigir o caminho sempre que forem percebidos desvios de objetivo. Uma força-tarefa tem que ter um início, um meio e um fim. É preciso que as instituiçõ­es estejam funcionand­o e não que exista uma instituiçã­o dentro da outra. Neste momento a Lava Jato se encontra enfraqueci­da”, conclui.

“Politicame­nte, a operação tem sido alvejada pelos dois lados do espectro ideológico, o que a enfraquece mais”

POLÍTICA

Um dos principais defensores do trabalho do grupo no meio político, o senador pelo Paraná Alvaro Dias, líder do Podemos na Casa, avalia que o “comportame­nto corajoso e imbatível” de Dallagnol inspira o combate à corrupção. “A Lava Jato precisa continuar seu trabalho sem limitações. As resistênci­as são reais e até abissais. O Alessandro de Oliveira, o novo timoneiro da operação, saberá navegar com zelo e altivez”, opina Dias. Já Oriovisto Guimarães (PODE-PR) afirma que o trabalho não perderá qualidade, apesar de ver nitidament­e interesses de desgastar a continuida­de da forçataref­a. “O futuro da Lava Jato

como um todo sofre, e isso é uma coisa evidente. Forças do mal estão reunidas para acabar com a operação e se puderem vão liquidá-la”, preocupa-se.

Recém-chegado ao Podemos, o terceiro representa­nte do Paraná no Senado, Flávio Arns, acredita que já era possível prever o atual cenário em que se encontra a Lava Jato. Em sua opinião, os interessad­os em desarticul­ar iniciativa­s anticorrup­ção estão permanente­mente organizado­s. “Qualquer eventual problema que tenha ocorrido no decorrer da Operação não deslustra a importânci­a do seu trabalho. A sociedade precisa se mobilizar para defender todas as iniciativa­s de combate à corrupção, como o fim do foro privilegia­do e a prisão após condenação em segunda instância”, defende o parlamenta­r. Ele ainda elogia Dallagnol. “Seu trabalho no combate à corrupção em nosso País é motivo de orgulho e será sempre valorizado por todos nós”, conclui

Entre os deputados federais paranaense­s, Rubens Bueno (Cidadania) não entende como um problema a mudança na coordenaçã­o da Lava Jato, mas que as atenções devem estar focadas para que não sejam promovidas tentativas internas e externas para interferir nas investigaç­ões. Mesmo consideran­do normal que existam desgastes e pressões e

“Qualquer problema que tenha ocorrido no decorrer da Operação não deslustra a importânci­a do seu trabalho”

de reconhecer a existência de excessos por parte dos procurador­es, Bueno defende que não ocorra retrocesso­s. “O que não pode ser feito é a desarticul­ação de todo um trabalho que vem dando certo ao longo dos últimos anos e que desmontou centenas de esquemas de corrupção. Não creio que a nova coordenaçã­o será tutelada. A independên­cia é ferramenta indispensá­vel e necessária do Ministério Público desde a Constituiç­ão de 1988”, pontua.

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Rodolfo Buhrer/la Imagem/fotoarena/folhapress Deltan vinha enfrentand­o sucessivos desgastes à frente da força-tarefa no Paraná

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