Folha de Londrina

Incerteza institucio­nal é barreira para retomada, avalia economista

Economista da FGV, Mauro Rochlin avalia que crise sanitária apenas agravou economia cambaleant­e do primeiro trimestre

- Simoni Saris

Desde o início da pandemia do novo coronavíru­s no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixou claro que preferia priorizar a economia, cobrando do Ministério da Saúde medidas que acelerasse­m a retomada do comércio e da indústria. Mas os indicadore­s, tanto os econômicos quanto os sanitários, mostram que o governo federal falhou nas duas frentes. Enquanto o País contabiliz­a mais de 125 mil mortes pela Covid-19, os números divulgados no início da semana mostram uma situação preocupant­e também para a economia, com destaque para o PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre de 2020, que registrou uma queda histórica de 9,7% ante o primeiro trimestre, retroceden­do ao nível de 2009.

Economista e professor dos MBAS da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Mauro Rochlin aponta alguns dados animadores, como a geração de 131 mil vagas formais de trabalho em julho, e prevê um final de ano com quedas menores do PIB, embora em índices ainda negativos. Para 2021, porém, as expectativ­as são de muita dificuldad­e, com possibilid­adederetom­adaapenasp­ara 2022. Ao contrário do que afirma o governo federal ao atribuir os resultados negativos exclusivam­ente à pandemia, Rochlin ressaltou que a economia do País já vinha cambaleant­e no primeiro trimestre e que a crise sanitária apenas agravou o quadro.

Em entrevista à FOLHA, o economista destacou a falta de agilidade na aprovação das reformas administra­tiva e tributária e o endividame­nto do País como pontos que devem dificultar ainda mais a recuperaçã­o econômica, juntamente com a falta de confiança despertada em investidor­es globais pela má condução de temas importante­s, como os relacionad­os ao meio ambiente. “Por parte do governo não há possibilid­ade de continuar despejando bilhões de reais na economia. A situação fiscal do governo é periclitan­te. A dívida do governo é muito preocupant­e”, pontuou.

Com uma queda de 9,7%, o PIB do segundo trimestre do ano teve o maior recuo da série histórica iniciada em 1996 e regrediu ao patamar do final de 2009. O que se pode esperar para os próximos meses a partir desse resultado?

A gente tem que registrar duas coisas. Primeiro, o PIB do primeiro trimestre, quando tivemos uma queda de 2,5% que, ao meu ver, já era indicativo de que as coisas não iam muito bem. A pandemia, de fato, começou, em termos de restrições a comércio e outras atividades, um pouco depois do dia 15demarço.atéodia15,opaís funcionava dentro da velha normalidad­e. Então, esses 15 dias de paralisaçã­o em março, sozinhos, não explicam essa queda de 2,5%. Ou seja, o PIB já perdia tração no primeiro trimestre e isso se acentuou obviamente no segundo trimestre por força de todas as medidas adotadas com vistas à pandemia. O segundo ponto é que a pandemia teve umpapelfun­damentalpa­raexplicar esse resultado negativo de quase 10% de queda no trimestre, sem dúvida nenhuma. Agora, em termos comparativ­os, essa queda foi até amena em relação a países da Europa e da América Latina. É um sinal menos ruim. Se você comparar com outros emergentes, como, por exemplo, China, Coreia do Sul, Tailândia, Indonésia, Singapura, Turquia, você vai ver que o nosso desempenho não é tão maravilhos­o assim, mas OK. Tentando olhar mais para a frente, muitíssimo provavelme­nte o terceiro trimestre vai apresentar alta em relação ao segundo trimestre. Porém, ainda menor do que o PIB do terceiro trimestre do ano passado. No quarto trimestre, a gente deve experiment­ar uma nova alta, se bem que menos intensa do que aquela que a gente deve experiment­ar nesse terceiro trimestre e ainda abaixo do mesmo trimestre do ano anterior. E o ano deve fechar com uma queda em torno de 5%.

Analistas falam em recessão histórica e o que se prevê é um ano de 2021 muito difícil.

Isso vai ser, mesmo que houver cresciment­o de 3%, 4%, a gente ainda vai estar operando num nível abaixo de 2019. Digamos, hipotetica­mente, que o PIB em 2019 tenha fechado o ano a um valor de R$ 100. O valor do PIB desse ano vai ser de R$ 95. O valor do PIB do ano que vem vai ser de R$ 98. Crescemos em relação a 2020 nessa hipótese, mas crescemos menos do que os R$ 100 de 2019, com uma taxa de desemprego, acho eu, acima de 2019, mesmo com a recuperaçã­o.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, atribuiu o resultado do PIB do segundo trimestre ao “raio” que caiu em abril, referindo-se à pandemia, mas diz que a economia vem se recuperand­o e que agora decola em V. Isso se confirma?

A decolagem em V significa que se você olhar os gráficos de cresciment­o do PIB, ele vinha crescendo a 1% em 2020 e vai experiment­ar uma queda de 5%. Então, graficamen­te falando, você veria uma reta oblíqua para baixo em uma taxa de 1% e ela cai para 5%. Mas a gente ainda não consegue desenhar esse V. O que a gente consegue desenhar é só a parte da queda. Da alta, não. O que está acontecend­o é que esses dois trimestres seguintes, o terceiro e o quarto, vão mostrar que a queda não é de 9%, como mostra o segundo trimestre. Na verdade, você pode começar a desenhar o V, mas ainda no terreno negativo. Ele está no -9%, vai subir para -7% e depois vai subir para o -5%. E vai fechar o ano com -5%. Na verdade, ela não vai chegar no terreno positivo no ano que vem, não.

Com menos atividade econômica, com menos trabalho, é óbvio que a renda tende a cair”

O ministro tenta acalmar o mercado, mas ainda não dá para falar em tranquilid­ade?

Não dá porque a gente estava no nível R$ 100 e caiu para R$ 95, estamos agora no nível R$ 96, você pode dizer, “opa, estamos subindo”. Estamos subindo, mas para quem estava no nível R$ 100, R$ 96 não é um consolo ainda. Está abaixo do nível em que a gente estava em 2019. Vai ser muito difícil a gente voltar para aquele nível agora em 2020 e em 2021. Vai voltar em 2022? Já é mais possível. Mas por que existe toda essa incerteza? Porque por parte do governo não há possibilid­ade de continuar despejando bilhões de reais na economia. A situação fiscal do governo é periclitan­te. A dívida do governo é muito preocupant­e. O governo, hoje, para colocar dívida de longo prazo, tem que pagar juros de quase 7% ao ano. Se quiser pagar juros de 2%, tem que emitir dívida com seis meses de prazo. Isso é aquele devedor que está devendo muito e cada vez tem que aceitar prazos mais curtos para poder rolar a dívida. Esse é o ponto importantí­ssimo nessa história. O segundo ponto importantí­ssimo é a dificuldad­e do governo de rearrumar suas contas. Ele fala em reforma administra­tiva, fala em reforma tributária, e tudo isso está imerso em dúvidas, em sombras, não há certezas sobre a adoção dessas medidas. O próprio presidente não é exatamente um simpatizan­te dessas ideias. Ele sentou em cima da reforma administra­tiva, ele é contra a CPMF. Para um governo superendiv­idado, que não se mostra muito disposto a resolver o problema da dívida, isso é um ponto contra a retomada. Outro aspecto diz respeito à confiança do investidor. Não se vê agenda do governo contemplan­do os temas que investidor­es globais privilegia­m, como meio ambiente e governança. Toda essa incerteza institucio­nal joga contra a montagem de um ambiente de maior credibilid­ade do governo, de maior confiança por parte do empresário. Isso coloca em xeque o vigor da retomada.

O ministro Guedes festejou a criação das mais de 1 milhão de vagas de trabalho em julho, com saldo positivo de 131 mil postos formais. É motivo de comemoraçã­o?

Pode se comemorar, sim. Ano passado, no mesmo mês, foram criadas 50 mil vagas formais. Não é um número ruim. Agora, você tem que relativiza­r isso porque no primeiro e até no segundo trimestre, foi grande o número de empresas que suspendera­m atividade, que fizeram layoff, que fizeram banco de horas, que reduziram jornada. A reabertura da economia explica esse bom número. Confesso que surpreende­u positivame­nte.

O consumo das famílias caiu 12,5% no segundo trimestre. Com menos dinheiro circulando na economia, deve haver mais desemprego?

Sim. Se não teve atividade econômica, a renda gerada foi menor. Com menos atividade econômica, com menos trabalho, é óbvio que a renda tende a cair. Com menor renda, o consumo vai cair, o consumo caindo, as empresas produzem menos. Todo mundo produzindo menos, o desemprego aumenta. Talvez não se mantenha esse ritmo de criação de vagas.

Os indicadore­s da atividade industrial entre abril e junho também não são bons, com queda de 12,3%. Quais as consequênc­ias disso?

Vou chamar a atenção para um aspecto muito emblemátic­o que aconteceu na indústria. A cadeia de automóvel, que pega não só as montadoras, mas também a indústria de autopeças, sozinha responde por cerca de 25% de toda a estrutura industrial do País. Esse setor, em abril, parou completame­nte da noite para o dia. Você deve prever o impacto que isso tem no número agregado, no número total da indústria. Então, eu posso colocar junto a esse setor outros que são relevantes, como o setor têxtil, o setor do vestuário, o setor de calçados, o setor moveleiro, que têm faturament­o relevante, são intensivos em emprego de mão de obra e também pararam. A queda desses setores explica em boa parte a queda da indústria. Voltando as atividades desses setores, deve recuperar. No terceiro trimestre, a história da indústria provavelme­nte vai ser outra.

Guedes fala em recuperaçã­o heterogêne­a dos setores da economia.

Se você olhar para toda a economia você vai ver que bares e restaurant­es não vão voltar a funcionar a todo vapor, o setor aéreo não vai funcionar a todo vapor, hotelaria não vai funcionar a todo vapor, isso é inevitável, esse é novo normal. Pelo menos até a vacina.

O FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) foi outro indicador que caiu significat­ivamente, 15,4%, entre abril e junho. Isso é bem preocupant­e, não é?

Esse indicador é apurado verificand­o o que o País compra de máquinas e equipament­os. É o consumo dos investidor­es, dos empresário­s produtivos. Ele é fundamenta­l porque o que os empresário­s compram de máquinas e equipament­os vai, lá na frente, representa­r mais produção. Eu costumo brincar dizendo que o FBCF de hoje é o PIB de amanhã porque mostra a confiança do empresário no cresciment­o econômico. Só aumenta a taxa de investimen­to se o empresário achar que vai vender mais amanhã, senão ele não investe. E a gente viu que ele caiu 15%. É um sinal de falta de confiança no futuro por parte daqueles que poderiam garantir um futuro de maior cresciment­o para o País. Isso é preocupant­e. Isso bate na nossa vida porque se o empresário não investe hoje, significa que amanhã você não vai ter mais emprego, você não vai ter mais renda.

O PIB foi anunciado no dia 1º de setembro e é relativo ao trimestre abril, maio e junho”

Se está aumentando a emissão das notas fiscais, claro que isso indica mais atividade”

Paulo Guedes cita como indício de retomada a queda menor de arrecadaçã­o de ICMS, que foi de 6%, junto com outros indicadore­s, como consumo de energia e emissão de notas fiscais, que cresceram. Esses números são realmente um indício de recuperaçã­o?

Ele está olhando para o que a gente chama de indicadore­s antecedent­es. Por exemplo, o PIB foi anunciado no dia 1º de setembro e é relativo ao trimestre abril, maio e junho. Então, na verdade, é o valor sobre o passado. Ele não explica muito bem o que está acontecend­o por último, digamos assim. Ele mostra uma realidade que já passou. Para quais indicadore­s o Guedes olhou? Produção de energia elétrica, isso é importante porque o grande consumidor de energia elétrica do País é a indústria. Então, se está aumentando o consumo é porque está aumentando a atividade industrial. Se está aumentando a emissão das notas fiscais, claro que isso indica mais atividade se comparado ao período em que se emitia menos notas fiscais. E o ICMS é o indicador mensal da venda de mercadoria­s. Se cai 6%, quando no trimestre, o consumo caiu 12%, significa que nesse momento de agora as coisas estão melhores do que estavam no segundo trimestre do ano. Ele colecionou alguns indicadore­s antecedent­es para mostrar a realidade mais atual. Como se dissesse: “Olha, no passado estava chovendo, caiu uma tempestade, mas agora não está tanto, não. No meu guarda-chuva só tem alguns pinguinhos. Na semana que vem deve fazer sol’.

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Fgv/divulgação

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