Folha de Londrina

Ziriguidum 2021: a cultura em busca de outros bambas

- Carlos Arruza, ator e psicólogo

Lembrei-me do ano de 1985. A Mocidade Independen­te de Padre Miguel, escola de samba do Rio de Janeiro, anunciava uma viagem no tempo e fomos parar em 2001: a ideia de um futuro “em busca de outros bambas”. A certeza de um mundo mais evoluído onde até os astros irradiam mais fulgor e fazem todo o universo sambar. E o que de fato aconteceu? No Carnaval de 2001, a escola apresenta, em forma de enredo, um apelo por paz e harmonia. Infelizmen­te, o mundo não atendeu ao clamor da avenida. Ao contrário disso, assistimos a uma sucessão de escândalos e tragédias, tendo o seu ápice no atentado de 11 de setembro. Concluindo que a vida não se enfeitou de alegria como na previsão de 1985.

Assim como outrora, ninguém pôde prever 2020. Somado aos efeitos da pandemia da Covid-19, um governo que abriu muitas frentes de desconstru­ção de toda uma estrutura erguida num processo árduo e demorado por agentes culturais de todo o país. Um misto de falta de recursos com a obrigação do isolamento se transforma numa quase sentença de morte: o artista é o primeiro a sair de cena e o último a retornar sem nenhuma perspectiv­a, consideran­do que seu trabalho se faz essencialm­ente pela aglomeraçã­o, não importa o território ao qual ele pertença. E, mais uma vez, tudo se reinventa. A resistênci­a se faz pela internet, nas redes sociais, nas lives. A busca de outros bambas, mais uma vez, se faz urgente e assim a profecia retoma a sua força.

Nietzsche, em seus pensamento­s, aponta, na relação arte e vida, seguindo suas obras “O nascimento da tragédia” e “A gaia ciência”, as seguintes reflexões: no primeiro caso, toma-se como ponto de partida e afirmação de que só como fenômeno estético a vida aparece justificad­a, mostrando como a relação entre o apolíneo e o dionisíaco, como impulsos naturais e artísticos, os problemas da existência são ultrapassa­dos. No segundo caso, trata-se de compreende­r a relação entre arte e vida de duas formas: a arte de se pôr em cena frente a si mesmo e a arte de alguém se tornar o que é. Parece haver, nesse pensamento, a chave de todo o segredo. Um eterno reinventar-se sempre foi a razão do artista. Engana-se quem busca na arte um ofício acabado e seguro e, por isso, brigamos tanto pelo valor da cultura de um país.

Segundo o antropólog­o Edward Tylor, cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimen­to, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidade­s adquiridos pelo homem como membro da sociedade. Nunca soubemos exatamente como estará nosso território de atuação e esse devir ou “vir a ser” é o que afirma a importânci­a do artista como quem inventa e escreve a história de superação e criativida­de de uma nação. E assim estamos fazendo. Somos os “novos bambas” que, de forma pioneira, ergueremos a nossa bandeira e plantaremo­s a nossa raiz.

O artista é o primeiro a sair de cena e o último a retornar sem nenhuma perspectiv­a, consideran­do que seu trabalho se faz essencialm­ente pela aglomeraçã­o

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