`A dramaturgia precisa replicar o mundo real´
rém, é um ano mais velha. As escalações dela e de Luis Melo geraram um manifesto, assinado por cerca de 200 artistas brasileiros de ascendência oriental, questionando as escolhas. O texto pedia o fim da “discriminação étnica que ocorre em algumas produções de audiovisual que retratam o oriental de forma estereotipada, preconceituosa e distorcida da realidade”.
O autor da novela, na época, justificou a decisão em entrevistas. “Tentamos achar nos testes uma protagonista japonesa, mas não encontramos uma com status de estrela. Eu precisava disso, a Globo queria uma estrela. Novela tem um custo muito alto, não dá para arriscar”, resumiu. Já a emissora desconversou. “Os critérios de escalação das obras da Globo são técnicos e artísticos. São avaliados vários aspectos, como adequação ao perfil do personagem, disponibilidade do elenco, composição total do casting, dentre outros. E essa decisão não cabe apenas a um profissional e sim a um time, composto por autor, diretores e diretoria de Entretenimento da empresa”, afirmou em nota.
Mas, dois anos depois, outra produção da emissora esteve na berlinda. A novela das nove “Segundo Sol”, de João Emanuel Carneiro, era ambientada em Salvador, considerada a capital mais negra do país. Só que a produção contava apenas com protagonistas brancos. Desta vez os protestos foram ainda mais fortes e até o próprio elenco reclamou. O Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação e a Globo reconheceu que precisava “evoluir com essa questão”.
Há casos positivos também. Em 2004, Taís Araújo protagonizou a novela das sete “Da Cor do Pecado”. Cinco anos depois, foi uma das famosas “Helenas” de Manoel Carlos, em “Viver a Vida”, e voltou ao protagonismo em “Cheias de Charme” (2012) e “Geração Brasil” (2014). Atualmente, é uma das protagonistas de “Amor de Mãe”, novela das nove interrompida devido à pandemia, e que deve voltar apenas no início do ano que vem.
MARCOS MARTINS
Em 1995, “A Próxima Vítima”, de Silvio de Abreu, havia trazido a família Noronha, de classe média, formada por Zezé Motta, Antonio Pitanga, Lui Mendes, Norton Nascimento e Camila Pitanga – que em 2015 protagonizou “Babilônia”, de Gilberto Braga. No entanto, apesar das boas iniciativas, entre 2004 e 2019, foram ao ar quase 150 novelas pela Globo, SBT e Record. Em apenas 13 delas houve papéis principais com atores negros, mesmo com várias sendo ambientadas em cidades com grande população negra.
Para o ator e escritor Márcio Oliveira, de Curitiba, os fatos expõem a falta de oportunidades que atores e atrizes que não são brancos enfrentam no mercado de trabalho, ainda com espaço restrito. “A gente encontra mais chances no teatro e até no cinema, mas quando se fala em televisão, o abismo é enorme. Temos uma população negra que enfrenta o preconceito em todas as profissões, poucos ocupam cargos de liderança e não é diferente no meio artístico. Tivemos conquistas nos últimos tempos, novelas que trouxeram o racismo para a pauta de discussão, espaço para protagonistas negras, mas ainda estamos longe de ocupar, nas produções audiovisuais de maneira geral, espaço proporcional ao contingente populacional que representamos no país. É preciso encarar isso de forma assertiva e mudar a realidade, com educação e conscientização”, avalia.
A atriz e produtora Lucia Nagae, de São Paulo, concorda. “A dramaturgia precisa replicar o mundo real, e ele é vasto, formado por orientais, negros, índios, e várias outras raças, etnias. Mas, de repente, parece que o mundo artístico não quer enxergar isso. Um personagem asiático interpretado por alguém que não é asiático não faz sentido. É a versão irreal do mundo real. Além de uma visão deturpada, machuca muito na alma”, protesta.