Folha de Londrina

Profissão exige nervos e músculos

- Célia Musilli é editora da Folha 2. Escreve na edição de fim de semana email: celia.musilli@gmail

Sempre digo aos estagiário­s que o jornalismo é uma profissão exigente. Mesmo aquela gente bonita que faz televisão vive estressada. Nestes tempos de covid-19, o jornalismo vive seu momento de fórmula 1, nunca fomos tão testados nas “pistas” do noticiário simultâneo. A velocidade é bem-vinda, desde que não incorra em erros, coisa que o público em geral nem sempre compreende.

Os erros no jornalismo são sentidos com intensidad­e pelos profission­ais, muitas vezes sabemos deles antes mesmo que a notícia complete meia hora no site ou que a edição impressa chegue às bancas no dia seguinte. Já acordei de madrugada sabendo que tinha deixado de por um acento no título e que, ao amanhecer, vários leitores ligariam como quem descobre a América.

O que pouca entende é como funciona a vida de um jornalista na prática, não tem nada a ver com aqueles filmes que cercam a profissão de glamour. É verdade que ao longo da vida podemos conseguir algum prestígio, como qualquer profission­al em outras áreas, mas o jornalismo é um profissão que exige muito da mente e do corpo. Estresse, imunidade baixa ou ansiedade são comuns. Meus nervos e músculos têm uma história dolorida a contar, embora permaneçam em silêncio no cotidiano enquanto escrevo mais um texto.

Trabalhand­o em jornal há décadas sinto o peso da profissão no meu braço direito, mais usado no ofício de transforma­r ideias em palavras. Uma dor que começa na ombro, percorre a omoplata evai até os dedos, teclando a notícia como quem estica um fio. O teclado do computador não é nada sem o esforço do meu braço e da minha cabeça, por mais moderna que seja a máquina, não serve para muita coisas e agente não fizer dela uma fábrica de ideias.

No jornalismo escrevemos de forma industrial, não imaginem ninguém digitando sem transpiraç­ão,é possível contar o ser rosque acontece me, num tecladinho de celular, quando precisamos dele, aspalavras­grudam. Aí, quando já é tarde e estamos no pique doque chamamos“fechamento ”- queéa finalizaçã­o demais uma edição-às veze sé precisou m esforço duplo demãos e dedos se erguendo, como um guindaste, para por tudo no lugar.

Ainda assim amamos nossa profissão, mesmo que com os anos ela nos deixe mais feinhos. Não sobra muito tempo para cuidar do cabelo, as unhas passam semanas sem esmalte, os homens ficam calvos rapidament­e, as costas se curvam já que a cabeça, concentrad­a na notícia, está sempre voltada para tela ou as letrinhas num movimento contínuo durante horas.

Se o corpo se ressente, o espírito se alegra quando terminamos mais uma edição somada às 10 mil páginas que criamos ao longo da vida. Enquanto as ideias se alongam, o braço encurta de tanta tensão e o jornalismo se torna também um corpo que dói, além de uma assinatura na notícia. Mas logo a paixão, o senso de responsabi­lidade, além de uma entrega enorme a um ideal sem medidas, funcionam como aquele sopro que a mãe dava sobre o machucado. E a gente escreve e dorme reinventan­do o dia porque amanhã haverá outra jornada.

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Marco Jacobsen

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