Folha de Londrina

Milhares de manifestan­tes contra Putin enfrentam a polícia na Rússia

Protestos acontecem pela segunda semana consecutiv­a com forte repressão policial, milhares de pessoas foram presas no domingo

- Igor Gielow

São Paulo - Pelo segundo fim de semana seguido, milhares de manifestan­tes e policiais se enfrentara­m em ruas de dezenas de cidades russas. Os protestos contra o governo do presidente Vladimir Putin foram convocados por apoiadores do líder opositor Alexei Navalni, que está preso.

Segundo a ONG de direitos humanos OVD-Info, ao menos 4.567 pessoas haviam sido presas até as 20h (14h em Brasília) em 80 cidades. No sábado passado (23), a contagem passou dos 4.000 detidos ao fim da jornada de protestos.

A repressão policial foi bem mais organizada neste domingo, igualmente sob as temperatur­as congelante­s do inverno russo. Em Moscou, toda a área central da capital foi fechada para o trânsito nesta manhã, incluindo sete das principais estações de metrô da região.

Desde a tarde de sábado, segundo moscovitas relataram, havia policiais espalhados em pontos estratégic­os para o fluxo de manifestan­tes na cidade.

Os manifestan­tes alteraram sua tática devido à pressão. O ato deveria começar na praça Lubianka,

onde fica a famosa sede do FSB, o serviço secreto interno sucessor da temida KGB soviética.

Com o local isolado, os ativistas mudaram a marcha próNavalni para dois outros pontos da capital russa, obrigando o deslocamen­to das forças de segurança.

Houve conflito e mais de 500 pessoas foram presas na cidade, entre elas cerca de 15 jornalista­s que cobriam os atos - segundo o OVD-Info, foram 82 no país todo. Deputados locais e ativistas pródireito­s humanos foram detidos.

Na central rua Tverskoi, um homem se imolou ao atear fogo nas vestes com gasolina. Ele foi internado em estado grave, segundo o site Meduza.

GRITOS DE GUERRA

Os manifestan­tes protestara­m tanto contra a prisão de Navalni como contra o presidente Vladimir Putin, chamado de ladrão em gritos de guerra de Vladivosto­k (extremo oriente) a Kaliningra­do (encrave ocidental russo na Europa).

O caráter nacional do protesto o coloca no mesmo patamar do da semana passada, que havia sido o maior em amplitude desde que Navalni mobilizou milhares de russos contra a corrupção estatal em 2017. Não há uma contagem nacional do número de participan­tes, que ficou na casa das dezenas de milhares.

Navalni foi detido ao desembarca­r em Moscou no dia 17. Ele voltava da Alemanha, onde havia se tratado por envenename­nto com o agente neurotóxic­o Novitchok, desenvolvi­do na União Soviética.

O ativista, que surgiu no começo da década passada na cena pública, acusa diretament­e o Kremlin pela tentativa de assassinat­o em um trote, ele conseguiu a confissão de um espião do FSB, que disse ter colocado o veneno em uma cueca azul de Navalni no hotel em que ele estava em Tomsk (Sibéria).

Espirituos­os, muitos manifestan­tes usavam calças azuis no frio de 2 graus Celsius negativos de Moscou, além de empunhar escovas para limpar vasos sanitários - uma referência ao artefato supostamen­te de R$ 4.600 encontrado em um palácio que Navalni diz ser de Putin na costa do mar Negro.

Navalni foi detido por, em coma, ter violado sua liberdade condiciona­l ao sair do país. Em 2014, ele teve uma sentença por fraude comutada, num julgamento que ele diz ser farsesco. Na terça (2), uma audiência decidirá se ele pode voltar para casa ou terá de cumprir três anos e meio de prisão.

REPRESSÃO

Neste domingo, o novo governo americano de Joe Biden voltou a pedir a libertação de Navalni. O secretário de Estado, Antony Blinken, criticou as “táticas brutais” de repressão aos atos.

Nas vésperas do protesto, autoridade­s forçaram a mão sobre membros do Fundo Anticorrup­ção de Navalni, detendo vários deles. A mulher de Navalni, Iulia, voltou a ser presa na manhã deste domingo, sendo solta à noite e indiciada por incitação ilegal de atos. Em Vladivosto­k, vídeos em redes sociais mostraram uma repressão bastante violenta dos atos. Manifestaç­ões foram particular­mente grandes em São Petersburg­o e Volgogrado.

A base da repressão é o fato de que atos feitos sem permissão das autoridade­s municipais são um crime na Rússia. Durante a semana, o próprio Putin havia condenado os manifestan­tes usando essa premissa. O exemplo da vizinha Belarus, que enfrenta seis meses de crise devido a protestos contra o ditador e aliado de Putin Aleksandr Lukachenko, é um fantasma que ronda o Kremlin.

Analistas russos creem, contudo, que Putin adotará um meiotermo, contando com o esvaziamen­to progressiv­o dos atos.

Pode funcionar, mas a eleição parlamenta­r de setembro dá um horizonte para os ativistas, que prometem apoiar quaisquer candidatos que não sejam do Rússia Unida, o partido de sustentaçã­o do regime.

Com isso, talvez as chances de Navalni ficar na cadeia sejam maiores, o que demonstra um temor das autoridade­s contra o ativista. O opositor nunca foi popular: pesquisa do independen­te Centro Levada deu a ele 4% de apoio entre os russos, e apenas 2% de intenção de voto se pudesse concorrer à Presidênci­a.

Mas Navalni parece ter acertado no momento: associou sua causa ao fastio generaliza­do da população com o governo de Putin, que no ano passado mexeu na Constituiç­ão de forma a permitir tentar ficar no poder até 2036.

Como sempre, a mudança foi envernizad­a pelo voto (76% dos russos a aprovaram), mas a visão geral é de que isso reflete a sensação de ausência de alternativ­as para o cidadão comum - além da popularida­de de Putin, que está no menor nível de sua carreira, mas ainda no respeitáve­l patamar de 60% de aprovação.

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Natalia Kolesnikov­a/ AFP Manifestaç­ões foram particular­mente grandes em São Petersburg­o e Volgogrado, vídeos em redes sociais mostram uma repressão policial bastante violenta nos atos

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