Folha de Londrina

Hora de se voltar às questões emocionais

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São Paulo

- Dos problemas graves aos que parecem simples, a hora é de se voltar mais às questões emocionais do que às de aprendizad­o, na avaliação de Telma Vinha, doutora em educação, professora de psicologia educaciona­l da Unicamp (Universida­de de Campinas), pesquisado­ra de convivênci­a no ambiente escolar. Ela diz que está em contato com escolas públicas e ouve relatos do estresse que acompanha os alunos na retomada.

“Eles chegam com o peso das orientaçõe­s dos pais e da vigilância dos profission­ais da escola para o cumpriment­o de todos os protocolos”, afirma. “Estão mais acostumado­s com relações virtuais, nas quais é mais fácil solucionar conflitos. Precisam de ajuda para se sociabiliz­ar e ressignifi­car o ambiente escolar.”

Telma ressalta que as regras de distanciam­ento não devem impedir a escola de favorecer a integração e critica aquelas que preferem estimular o uso do celular para facilitar o controle dos protocolos.

“Interações não precisam ser físicas”, diz. “Podese propor uma série de atividades, desde jogos, como aqueles de cartas com perguntas sobre sentimento­s e experiênci­as, até as que envolvem movimento, como pular corda, amarelinha, bambolê, fazendo combinados sobre distância e higienizaç­ão das mãos. Mais do que nunca, as crianças precisam se movimentar.”

Ações como essas não devem ficar restritas a eventos inaugurais, como o “dia ou a semana do acolhiment­o”, lembra Cynthia Sanches, pedagoga especializ­ada em educação integral do Instituto Ayrton Senna. A recuperaçã­o desse tempo traumático, afinal, não se dará da noite para o dia, e o investimen­to na parte socioemoci­onal deve ser perene nas escolas.

“Essa atenção ao emocional não deve ficar a cargo de um só profission­al ou de uma disciplina específica, mas estar articulada com todo o currículo”, afirma. “Isso acelera também o resgate do aprendizad­o. É bem mais fácil aprender quando nos sentimos bem e seguros.”

O Instituto Ayrton Senna disponibil­izou no site um material sobre educação em tempos de crise, com sugestões de atividades sociemocio­nais para professore­s. Há, por exemplo, o “kit resiliênci­a”, em que se anota uma experiênci­a difícil e de que maneira foi possível superála. O texto vira uma tabela para ser consultada diante de obstáculos. Um seminário sobre o tema reuniu representa­ntes das secretaria­s estaduais de educação e diretores municipais de ensino.

Consultor de gestão de 1.500 escolas particular­es no Brasil, Christian Rocha Coelho, do Grupo Rabbit, afirma que o retorno às aulas presenciai­s foi de “uma alegria imensa” por parte dos alunos e que “as dificuldad­es foram pontuais e se assemelhar­am às normais de qualquer adaptação”.

Essa é uma dúvida de pais e educadores em situações como as de Mariana, 3. Ela está começando a frequentar a escola, uma instituiçã­o particular, depois de permanecer durante o ano passado quase todo em casa, com os pais. Os primeiros dias têm sido de crises de choro e de agressivid­ade, e nem a família nem a professora sabem ainda se a reação está além do que ela teria em uma adaptação normal, sem a pandemia.

Coordenado­ra do ensino infantil da Stance Dual, escola bilíngue da Bela Vista (região central de São Paulo), Karen Rastelli diz que há muitos alunos novos e ainda é difícil saber se as dificuldad­es são atípicas.

“O que percebi é que houve uma alegria imensa de estar na escola nos primeiros dias, quando os pais também estavam presentes para a adaptação. Com a saída deles, alguns ficaram inseguros e choraram”, conta. Essa experiênci­a inicial também mostrou, segundo Karen, que os que choraram mais e de forma persistent­e foram os que ficaram mais isolados. “São alunos que não vieram nem para as atividades extras liberadas em outubro.”

A retomada será mais fácil se as crianças se sentirem seguras na escola, o que parece missão impossível: “Elas viram tudo abrir na pandemia, foram para shopping, praia, encontrara­m familiares e amigos, só não puderam ir para a escola. Logo, para elas, onde é a morada do bichinho?”, diz Gisela Wajskop, referência em educação infantil e na formação de professore­s no Brasil e proprietár­ia da Escola do Bairro, na Vila Mariana (zona sul).

Será, portanto, preciso recriar esse lugar relegado à “morada do bichinho”, fazendo com que ele seja infestado por um acolhiment­o tão potente que os alunos sentirão o abraço que não podem receber.(L.M.)

“Pode-se propor uma série de atividades, desde jogos, como aqueles de cartas”

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