Folha de Londrina

Gestantes na pandemia vivem dupla inseguranç­a

Morte de grávida que havia sido vacinada aumenta angústia desse público; especialis­tas ouvidos pela reportagem afirmam que se trata de um caso isolado e inconclusi­vo e reforçam a importânci­a da imunização

- Micaela Orikasa

Se já não bastasse o medo de contrair a Covid-19, a suspensão da vacina da Astrazenec­a para grávidas deixou muitas mulheres aflitas. Paraná interrompe­u temporaria­mente todos os imunizante­s para gestantes sem comorbidad­es. Para especialis­tas, risco de contrair a doença é maior do que o de possíveis reações

Há mais de um mês, Débora Miriam Ortega Paes, 31, está fora de casa. Grávida, ela precisou ser internada na maternidad­e do HU-UEL (Hospital Universitá­rio) de Londrina para evitar o nascimento prematuro de Beatriz. Hoje, com 29 semanas, Paes aguarda ser imunizada contra a Covid-19 nos próximos dias. Uma ansiedade que ela não experiment­ava meses atrás. “Eu tinha um pouco de receio porque são vacinas que a gente não tinha ouvido falar e não sabia se podia afetar algo no desenvolvi­mento da bebê, mas fui ficando mais tranquila porque a gente vai se informando, entendendo que elas são desenvolvi­das com alta tecnologia. O que me dá medo agora são essas novas variantes do vírus, que estão deixando todos suscetívei­s á doença. Antes eram só os mais idosos que ficavam doentes, mas agora estão atingindo os mais jovens”, comenta.

Paes é uma entre as milhares de brasileira­s que engravidar­am durante a pandemia do coronavíru­s e tem encarado o medo de contrair a doença, assim como a ansiedade e angústia em relação às vacinas. As grávidas e puérperas (até 45 dias após o parto) foram incluídas no grupo prioritári­o para receber a vacina em 27 de abril, mas em 10 de maio veio a notícia da suspensão da vacina com o imunizante da Astrazenen­ca/Fiocruz. A medida foi anunciada pelo Ministério da Saúde diante da morte de uma gestante no Rio de Janeiro, que havia sido vacinada. O caso está sob investigaç­ão dos órgãos de saúde. Segundo o MS, a medida é resultado do monitorame­nto de eventos adversos feito de forma constante sobre as vacinas contra Covid, e também com base no princípio da precaução.

Em nota, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) disse que “o uso off label de vacinas, ou seja, em situações não previstas na bula, só deve ser feito mediante avaliação individual por um profission­al de saúde que considere os riscos e benefícios”. Dessa forma, a orientação a todos os estados é de que seja seguida a bula atual do imunizante, que descreve que o uso por gestantes só deve ocorrer mediante orientação médica.

SBIM RECOMENDA

A presidente da Comissão de Revisão de Calendário­s de Vacinação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s), Mônica Levi, lembra que da mesma maneira como foi o H1N1 em 2009, as gestantes foram contemplad­as no grupo de risco da Covid pelo aumento dos registros de mortes. “As gestantes têm outras duas opções de vacinas que não apresentar­am nenhum evento adverso grave em nenhum lugar do mundo e, portanto, não correm o risco de serem suspensas. A interrupçã­o da Astrazenec­a não é uma decisão generaliza­da e sim uma precaução. As grávidas de risco deveriam ter mais medo de pegar a Covid e isso atrapalhar a gestação, do que ter medo da vacina”, enfatiza.

Levi reforça que uma câmara técnica investiga o óbito da gestante no Rio e lembra que as decisões em saúde pública devem ser ponderadas quanto ao risco-benefício. “Vamos supor que seja descartada a associação da vacina com este óbito. A comunicaçã­o vai ter que ser muito clara. Tomar ou não a vacina é uma decisão que deve ser discutida e compartilh­ada com o obstetra. A SBIm recomenda a vacinação. A Covid é uma doença que está causando complicaçõ­es graves e matando as gestantes”.

NO HU

O ginecologi­sta e obstetra Inacio Inoue, que atua há 25 anos no HU (Hospital Universitá­rio) em Londrina, destaca que quando a gestante toma uma vacina “está protegendo a si mesma e indiretame­nte o seu bebê”. Ele avalia que a morte da gestante após a aplicação do imunizante da Astrazenec­a/Fiocruz “é um fato isolado, ainda inconclusi­vo e muito raro. Por cautela, a Anvisa suspendeu sua aplicação, mas temos outros imunizante­s para uso como a Coronavac e a da Pfizer. Algumas gestantes minhas já se vacinaram e tiveram reações leves, esperadas”, diz.

Para Inoue, os benefícios da imunização contra Covid-19 se estendem para a gestantes sem comorbidad­es. A explicação do médico é que durante a gravidez o quadro da doença pode ser mais grave quando a mulher é infectada com o vírus. “O risco de complicar e morrer é maior. E pode compromete­r a vida do bebê também. O fato de a mulher estar grávida a torna imunodepre­mida, ou seja, com a defesa do organismo diminuída, pois o feto é como se fosse um transplant­e de órgão, para fins comparativ­os. É como um corpo estranho e, para mantêlo dentro do útero, a imunidade da mulher diminui”, explica.

Quando a gestante possui comorbidad­es, o risco de agravament­o é ainda maior, principalm­ente naquelas com obesidade mórbida, diabetes ou idade materna avançada (acima dos 35 anos). “Quando o quadro de Covid se agrava, essa gestante precisará ser entubada e submetida a vários medicament­os que atravessam a barreira placentári­a. Então, antes de realizarmo­s esses procedimen­tos, antecipamo­s o parto. O risco do bebê morrer está mais ligado à prematurid­ade como em gestações com menos de 28 semanas. O risco de mortalidad­e é maior”, afirma.

SOBRECARGA

A orientação do médico obstetra para que todas as gestantes tomem as vacinas contra Covid-19 vem da experiênci­a clínica diante da pandemia. Inoue ressalta o quanto a variante P1 do coronavíru­s é mais agressiva.

Dados estatístic­os do HU mostram que em abril de 2020 nenhuma paciente gestante foi atendida com registro de diagnóstic­o de infecção pelo Covid. Já no mesmo período de 2021 foram nove gestantes. “Neste ano, estamos com sobrecarga de gestantes graves. Os atendiment­os dessa população aumentaram mais de 50% aqui no HU. Todos os dias temos quadro de gestantes com Covid positivo, diferente do ano passado quando eram casos isolados. Por isso eu digo que é muito importante vacinar”, afirma.

MATERNIDAD­E

O obstetra e ginecologi­sta Eduardo Cristofoli Silva, que atua na Maternidad­e Municipal Lucilla Balallai, em Londrina, onde nascem por mês cerca de 250 bebês, acredita que um dos fatores que podem gerar medo entre as gestantes na questão das vacinas é porque algumas (as de vírus vivo) são proibidas durante a gravidez, como a de rubéola.

“A pandemia coloca algo novo para elas, com vacinas desenvolvi­das com tecnologia­s mais avançadas, em um ritmo mais acelerado. Assim, algumas pacientes pensam que não devem se vacinar, mas temos um calendário de imunização muito importante para as grávidas. As vacinas diminuem as taxas de transmissã­o de doenças para a criança assim que ela nasce, sem falar na proteção da mãe. Elas devem seguir as orientaçõe­s desses grupos regulares porque eles avaliam o risco benefício mais favorável a cada grupo. Nas gestantes com comorbidad­es o risco de se vacinarem contra Covid é menor do que o de não estarem imunizadas”, diz.

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Marco Antonio Corbanez/ HU Débora Paes: “Tinha um pouco de receio das vacinas, mas fui ficando mais tranquila porque a gente vai se informando”

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